Título: Mais chances de sobreviver
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 23/01/2008, O País, p. 3

Em Pernambuco, melhora acesso de população carente à saúde.

RECIFE. Nascida e criada na beira do mangue - onde sobrevive catando caranguejo ou vendendo lixo para empresas de reciclagem -, a carroceira Nancy Farias Pessoa, de 61 anos, é um exemplo de que, embora ainda seja alta, a mortalidade infantil no Nordeste vem caindo. Ela teve 21 filhos, mas só conseguiu criar seis. As crianças morreram de diarréia, problemas respiratórios, febre. Mas os seis filhos lhe deram 47 netos, todos vivos.

As crianças moram em barracos tão precários quanto o do avó, em madeira, sem água encanada nem saneamento. Brincam no lixo, passeiam pela pocilga onde vivem dois porcos e jogam bola perto do curral cheio de esterco. Mas, ao contrário dos tios que sucumbiram, as crianças têm chance de sobreviver: são constantemente monitoradas por agentes do Programa de Saúde da Família, recebem vacinas no posto mais próximo, e os pais sabem preparar o soro caseiro, em caso de diarréia.

- Comecei a parir muito nova, aos 14. Não sabia nada da vida. Não consegui criar todos os filhos, muitos morreram. Já meus netos, todos estão sendo criados. Hoje os pobres têm tudo quando o assunto é saúde - afirmou ela ontem, em sua casa de um cômodo, construída com pedaços velhos de madeira recolhidos em demolições.

- Menino morria por diarréia, por febre, até quando nascia dente. Hoje as pessoas são mais esclarecidas, e a população tem mais acesso aos serviços de saúde - atesta Nice da Silva, líder comunitária local.

Ela diz que, entre as mães mais jovens, a mortalidade das crianças é menor do que a que marcou a vida de Nancy. Joana Pessoa, de 27 anos, não tem emprego, sobrevive com R$50 do Bolsa Família, teve cinco filhos, quatro vivos. A despensa está vazia. Ela perdeu um filho com 4 meses com problemas respiratórios. Os quatro restantes - com idades de 7 a 11 anos - já tiveram diarréia, desidratação e pelo menos um deles aparenta estar subnutrido. Mas ela acredita que, como os netos de Nancy, eles sobreviverão.

- Está tudo vivo. Quando um adoece, corro para o posto de saúde ou então para o hospital - afirma ela.

Em Recife, a mortalidade infantil vem caindo a cada ano. Saiu de 77 por mil nascidos vivos na década de 80 para 14,4 em 2006. O programa de Saúde da Família é apontado pela prefeitura como um dos motivos da redução. A capital tem 111 postos do programa, e o número de equipes subiu de 27 em 2001 para 226 hoje. O número de agentes de saúde cresceu. A líder comunitária Nice da Silva resume:

- A vida continua difícil. Não temos esgoto, as pessoas moram em residências precárias, sem água encanada, o lixo batendo à porta e passam fome. Mas o caminho de acesso à saúde ficou mais curto.