Título: Nesse jogo político, a sociedade perde
Autor: Paula, Luiz Fernando de; Oreiro, José Luis
Fonte: O Globo, 23/01/2008, Opinião, p. 7

A rejeição da prorrogação da CPMF pelo Senado Federal e a implementação de um "minipacote" tributário por parte do governo federal tem gerado uma série de discussões sobre as implicações e a natureza dessas medidas. Para a oposição no Congresso, a Fiesp e parte significativa dos analistas econômicos, o fim da CPMF foi comemorado como um freio na "gastança" do governo Lula, que estaria ocorrendo devido ao célere aumento nos gastos de custeio.

O novo pacote implementado - se é que se pode atribuir o termo "pacote" ao aumento na alíquota da CSLL cobrada dos bancos, de 9% para 15%, e à criação de uma alíquota de 0,38% de IOF sobre empréstimos bancários -, por sua vez, revelaria de novo a sanha gastadora do governo, ao aumentar tributos que afinal asfixiam a população brasileira.

A visão colocada acima está imbuída em boa medida da visão de que o aumento do gasto do governo, em si, é algo ruim, em conseqüência da elevada carga tributária existente no país, e em alguns casos de uma visão ideológica de que a intervenção do Estado tende a distorcer o funcionamento do mercado. Entretanto, por motivos que desenvolvemos a seguir, entendemos que, do ponto de vista dos partidos de oposição, tal postura revela, ao final de contas, muito mais uma conotação predominantemente político-eleitoral do que econômica, no sentido de procurar "inviabilizar" o governo Lula em um momento de alta popularidade deste, decorrente em boa medida da combinação entre elevado crescimento econômico do país e política de distribuição de renda.

Vamos aos fatos. A economia, como se sabe, cresceu em 2007 cerca de 5,2% contra 3,7% em 2006, puxada pelo aumento do consumo e do investimento, tendo este último se elevado de 15,9% em 2005 para 18,3% do PIB no terceiro trimestre de 2007. Em outras palavras, a economia cresce em que pese a elevada carga tributária no país. O aumento dos gastos de custeio em 2007 decorreu predominantemente de gastos relacionados aos programas sociais (Bolsa Família, educação, entre outros) e benefícios previdenciários, com forte viés redistributivo em termos de renda.

A aceleração do crescimento econômico, combinada com a redução da taxa de juros real (que se reduziu de 12% no final de 2006 para menos de 7% em dezembro de 2007), por sua vez, teve efeitos benéficos sobre as finanças públicas: a arrecadação tributária cresceu ao longo de 2007, dado o caráter pró-cíclico das receitas do governo (quanto maior o crescimento, maior a arrecadação tributária); a combinação do maior crescimento econômico, redução na taxa de juros e superávit primário estável (3,8% do PIB em 2007), favorecido pelo próprio crescimento nas receitas do governo, permitiu tanto a redução na relação dívida pública/PIB de 44,4% em início de 2007 para 42,6% em novembro de 2007 quanto a elevação nos gastos públicos. Tal elevação decorreu tanto do aumento nos gastos de custeio, como visto decorrentes, sobretudo, da elevação nas transferências governamentais, quanto dos (ainda incipientes) gastos de investimento do governo, que cresceram (excluindo estatais) de 0,86% em 2006 para 0,98% do PIB em 2007, sem que isso acarretasse uma deterioração nas contas públicas! Afinal, a necessidade de financiamento do setor público, no conceito nominal, diminuiu de 2,9% do PIB em 2006 para 2,1% em outubro de 2007.

Portanto, dado o efeito virtuoso do crescimento econômico sobre as finanças públicas, o governo federal pôde em 2007 melhorar as condições de solvência fiscal e ao mesmo tempo aumentar os gastos públicos, sobretudo em gastos sociais e em menor grau em infra-estrutura econômica. Para 2008 o governo federal sinalizava o aprofundamento de tal política, sobretudo por conta da aceleração do PAC e de outros programas, como na área de saúde, que agora ficou comprometido parcialmente por conta do ajuste fiscal imposto ao governo. Nada errado e inesperado para um governo de esquerda, em que o eleitorado que o elegeu espera uma ação efetiva para reduzir as notórias desigualdades de renda e sociais existentes no país.

Fica claro, portanto, que o debate oposição versus governo tem uma forte conotação político-eleitoral, mas infelizmente deixa de lado questões substantivas, como a notória necessidade de investimentos em infra-estrutura econômica e programas sociais no país. Temos feito críticas à política econômica do governo, devido aos efeitos de longo prazo sobre o crescimento econômico da combinação entre taxa de juros elevada com câmbio crescentemente apreciado, mas reconhecemos a pertinência de mudanças feitas na política fiscal por parte do governo Lula, que combina equilíbrio fiscal com uma política de aumentos dos gastos públicos em infra-estrutura e na área social. Nesse sentido, a oposição (PSDB e DEM) parece atuar como o PT atuava quando era oposição - não apresenta claramente projetos alternativos e conseqüentes ao governo e ao mesmo tempo procura inviabilizar as ações de governo. Nesse embate, quem perde é a sociedade brasileira.

LUIZ FERNANDO DE PAULA e JOSÉ LUIS OREIRO são pesquisadores do CNPq. Email: luizfpaula@terra.com.br e jlcoreiro@terra.com.br.