Título: Fed tenta salvar a pátria
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Fonte: O Globo, 23/01/2008, Economia, p. 19

AMEAÇA GLOBAL

Perdas na Ásia levam a corte surpresa de 0,75 nos juros dos EUA. Europa e AL sobem; NY cai

OFederal Reserve (Fed, o banco central americano) surpreendeu os mercados ontem ao reduzir, em reunião extraordinária, a taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual, para 3,5% ao ano. Desde setembro de 2001, logo após os atentados terroristas, o Fed não alterava os juros fora de uma reunião prevista. A medida emergencial foi uma tentativa de tirar os Estados Unidos da rota de recessão e interromper a queda generalizada das bolsas mundiais. Esse segundo objetivo só foi conseguido em parte, já que, no momento do anúncio do Fed - por volta das 11h, horário de Brasília -, os mercados asiáticos já estavam fechados, registrando quedas de até 8,6%, e Wall Street acabou contaminada pelo medo de uma recessão, além de refletir as perdas globais da véspera, quando não funcionou devido ao feriado de Martin Luther King.

Mas os mercados europeus e latino-americanos se recuperaram, depois das perdas da véspera. A exceção foi Frankfurt, que recuou 0,31%. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) subiu 4,45%, a de Buenos Aires, 3,55%, e a do México, mais de 6%. Em Nova York, o Dow Jones caiu 1,06%, o Nasdaq, 2,04%, e o S&P, 1,11%. O Fed anunciou sua decisão antes da abertura dos mercados americanos.

A trégua dada por investidores permitiu que a Bovespa recuperasse cerca de R$70 bilhões em valor de mercado. Com as altas em suas principais ações, a capitalização da Bolsa paulista voltou para R$1,863 trilhão, ainda abaixo do R$1,911 trilhão da última sexta-feira, segundo cálculos da Modal Asset. Em dólares, ao longo de 2008, a Bovespa já se desvalorizou US$242 bilhões.

Mercados globais já perderam US$7,4 tri

Apenas neste ano, as bolsas de valores de todo o mundo já perderam US$7,395 trilhões em valor de mercado, passando de uma capitalização de US$60,920 trilhões no fim de dezembro de 2007 para US$53,525 trilhões na última segunda-feira. A quantia equivale a mais de seis vezes o valor da Bovespa. Quase um terço dessa desvalorização, ou US$2,546 trilhões, aconteceu em um único dia, na segunda-feira, quando os mercados digeriram o pacote fiscal de US$145 bilhões anunciado pelo presidente americano, George W. Bush.

A Bolsa de Valores de Nova York (Nyse, na sigla em inglês) chegou a perder, no ano, US$1,897 trilhão em valor de mercado, passando de uma capitalização de US$17,773 trilhões no fim de dezembro de 2007 para US$15,876 trilhões até a semana passada. No México, onde a bolsa é bem menor - vale US$344,946 bilhões -, a perda foi de US$54,625 milhões no ano, sendo US$19,282 bilhões só na segunda-feira.

Em seu comunicado, o Fed afirmou que ainda há riscos de desaceleração do crescimento e que está pronto a tomar mais medidas. Analistas acreditam que haverá outro corte de juros, de meio ponto percentual, na próxima reunião da autoridade monetária, no dia 30 deste mês. O Fed disse ter tomado a decisão "em vista do enfraquecimento das perspectivas para a economia e do aumento dos riscos de desaceleração do crescimento". O BC ressaltou ainda a deterioração das condições dos mercados financeiros e o aperto do crédito para empresas e consumidores.

- O Fed está muito, muito, muito preocupado - disse John Tierney, analista do Deutsche Bank.

A decisão não foi unânime: William Poole, do Fed de St. Louis, era contra mexer nos juros antes da reunião prevista.

A taxa básica do Fed está agora em seu menor nível desde setembro de 2005. A taxa de redesconto, cobrada em empréstimos a bancos comerciais, também foi reduzida em 0,75 ponto, para 4% ao ano. O corte foi o maior desde outubro de 1984, quando os EUA enfrentavam outra crise por empréstimos bancários, e o Fed chegou a considerar 790 bancos como problemáticos, necessitando de acompanhamento, segundo o "New York Times".

Para a revista britânica "Economist", o mais preocupante foi o momento escolhido pelo Fed. "Que ele tenha agido apenas uma semana antes (da reunião prevista) vai levantar a suspeita de que o Fed saiba de algo que os mercados não sabem", ressaltou em seu site.

"Fortune": recessão globalizada

Já a americana "Fortune" levantou o temor sobre a primeira recessão globalizada dos EUA. Em artigo assinado pelo editor sênior Geoff Colvin, a "Fortune" afirma que a situação econômica atual faz parte dos novos desafios trazidos pela globalização. Segundo Colvin, parte da bolha imobiliária americana resultaria do fato de os americanos gastarem sem controle, graças aos recursos investidos nos EUA por outros países, o que o presidente do Fed, Ben Bernanke, chamou de "gargalo da poupança global". "Sem o gargalo de poupança global, não teríamos uma bolha imobiliária", disse Colvin. Ele afirmou que essa nova crise fará os americanos repensarem seu papel no mundo. "Costumávamos ser a locomotiva que puxa o trem. Mas, enquanto ainda influenciamos a economia global, a nova realidade é que a economia global tem uma influência cada vez maior sobre nós".

O secretário do Tesouro, Henry Paulson, disse que a decisão do Fed vai ajudar a restaurar a confiança dos mercados. Mesmo reconhecendo a desaceleração americana, ele ressaltou que a economia global tem se mostrado resiliente à crise das hipotecas de alto risco (subprime). A Europa parece concordar. A chanceler alemã, Angela Merkel, disse ontem não ver sinais de recessão na Alemanha e na Europa. Já a ministra de Finanças da França, Christine Lagarde, minimizou as conseqüências de uma recessão nos EUA:

- Não será uma tragédia para eles.