Título: Desmatando como nunca
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 24/01/2008, O País, p. 3

Amazônia perdeu 7 mil quilômetros quadrados de floresta só no 2º semestre de 2007.

Uma nova alta no desmatamento da Amazônia, detectada entre agosto e dezembro de 2007, acendeu a luz vermelha no governo e levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a convocar uma reunião de emergência para rever as táticas de combate à ação de madeireiros na região. Dados divulgados ontem pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) denunciam a derrubada de 3.235 quilômetros quadrados de floresta no período, um recorde desde o início do monitoramento em tempo real, há quatro anos. Como esse sistema só registra cerca de 40% da área realmente devastada, o governo estima que o estrago tenha chegado a 7.000 quilômetros quadrados no período. Há três anos o governo comemorava sucessivas reduções nas taxas de desmatamento.

A lista é encabeçada por Mato Grosso, que desmatou 53,7% do total, Pará (17,8%) e Rondônia (16%). O diretor do Inpe, Gilberto Câmara, classificou a situação de preocupante.

- Até hoje, nunca tínhamos detectado um desmatamento dessa magnitude nos meses de novembro e dezembro. Nós nunca havíamos visto isso na Amazônia - afirmou.

Carne e soja são vistas como vilãs

A estiagem prolongada e a alta no preço de commodities como carne e soja foram apontadas como as principais vilãs do novo aumento da devastação da floresta. A influência de incêndios provocados pela seca foi descartada, já que o levantamento do Inpe só contabiliza as áreas em que houve corte raso de árvores. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, informou que a pasta trabalha com duas possibilidades: a antecipação de derrubadas já programadas, por causa da falta de chuvas, ou o aumento real do desmatamento.

- O governo não quer pagar para ver. Não vamos ficar aguardando que tenhamos sorte e isso tenha sido apenas uma antecipação do desmatamento. Se o que está previsto se configurar, será motivo de grande preocupação para todos nós - disse a ministra.

O secretário-executivo do ministério, João Paulo Capobianco, foi ainda mais incisivo sobre o diagnóstico:

- Estamos trabalhando com o pior cenário, que é a retomada real do desmatamento.

Os novos números foram recebidos como uma injeção de desânimo por todas as autoridades da área ambiental, que há menos de dois meses festejavam a terceira queda consecutiva no levantamento anual de desmatamento da Amazônia. Os 7.000 quilômetros quadrados perdidos entre agosto e dezembro do ano passado equivaleriam, em apenas cinco meses, a 60% de todo o desmatamento registrado entre agosto de 2006 e julho de 2007, que ficou em 11.224 quilômetros quadrados. Por isso, o governo trabalha com a probabilidade de aumento no próximo balanço. Marina Silva defendeu a política de combate aos madeireiros, mas admitiu a necessidade de reforçar o controle da região.

- Nós tomamos um conjunto de medidas, mas as medidas não são infalíveis. Às vezes o médico faz tudo o que pode pelo paciente, mas existem variáveis. Então ele vai ajustando a medicação - disse a ministra.

Críticas à falta de controle

A missão não será fácil. Além do alto preço das commodities, o governo deve enfrentar problemas com a proximidade das eleições de outubro. Desde a década de 80, todos os anos eleitorais, à exceção de 2006, registraram alta no desmatamento da Amazônia. O período de sucessão municipal é considerado ainda mais problemático, já que os fazendeiros e os parlamentares ruralistas exercem grande influência sobre a disputa pelas prefeituras da região.

- É um momento em que ninguém está interessado em punir ninguém. Há mais complacência das autoridades - disse Capobianco.

Ambientalistas atribuíram a nova alta no desmatamento à falta de controle sobre a expansão do cultivo de soja e da criação de gado na Amazônia. O diretor do Projeto Amazônia da ONG Conservação Internacional, Adrian Garda, acusou o governo de insistir no mesmo modelo de desenvolvimento rural de 20 anos atrás, sem exigir contrapartidas ambientais e a preservação de parte das propriedades.

- Há uma dupla mensagem do governo. O Ministério do Meio Ambiente tenta combater as derrubadas, mas os bancos oficiais e o Ministério da Agricultura aumentam os subsídios para a agroindústria sem exigir a preservação da floresta. Enquanto não houver um mecanismo de controle do mercado, o desmatamento vai continuar aumentando - alertou.

Divulgados ontem à tarde, os novos dados do Inpe foram comunicados de manhã ao presidente Lula, durante a reunião ministerial. A intenção do Planalto é formatar hoje um pacote de medidas que integre as pastas de Meio Ambiente, Agricultura, a Justiça, Defesa e Casa Civil.

Até a sexta-feira, Marina Silva deve publicar uma portaria com o nome de 31 dos 150 municípios que mais devastam a floresta e terão as autorizações para a derrubada de árvores suspensas, conforme decreto editado no mês passado. Ela antecipou as três cidades que encabeçam a lista: São Félix do Xingu (PA), Cumaru do Norte (PA) e Colniza (MT). Os donos de terras nesses municípios serão obrigados a recadastrar as propriedades no Incra, sob pena de serem impedidos de obter crédito e emitir notas fiscais da venda de mercadorias. O prazo para a implantação das medidas ainda não está definido.

Marina Silva disse que deve pedir o apoio de aviões do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) para fiscalizar as áreas mais desmatadas nos últimos meses e ajudar a Polícia Federal a identificar os autores de crimes ambientais na floresta. A ministra atribuiu as derrubadas à expansão do cultivo de soja e da criação de gado nos estados mais visados pelos madeireiros, como Mato Grosso e Rondônia:

- Gado e soja são as atividades típicas desses estados. Não acredito em coincidências, e foi lá que registramos o maior aumento no desmatamento.