Título: Dia de gangorra nas bolsas
Autor: Rangel, Juliana; Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 24/01/2008, Economia, p. 21

AMEAÇA GLOBAL

Reagindo a corte de juros nos EUA, Ásia sobe até 10%, mas Europa e Brasil recuam. NY se recupera só no fim.

Os mercados mundiais continuaram a reagir ontem ao corte da taxa básica de juros dos Estados Unidos, feito pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) na terça-feira, com resultados díspares e surpreendentes. Enquanto na Ásia - que, pelo fuso horário, não havia pego a decisão do Fed na véspera - as bolsas subiram até 10%, Europa e América Latina fecharam em queda. Já em Nova York, depois de passar praticamente todo o pregão em baixa, as bolsas encerraram em alta, com investidores aproveitando os baixos preços dos papéis e o rumor de um socorro a seguradoras que trabalham com títulos hipotecários. No Brasil, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) seguiu o mercado internacional e caiu 3,32%, para 54.232 pontos, depois da trégua dada na terça-feira. Durante o dia, seu principal indicador, o Ibovespa, chegou a cair 5,5%. Já o dólar subiu 1,84% e fechou a R$1,825.

Segundo o diretor da Leandro & Stomer Trading, Leandro Ruschel, investidores tiveram mais tempo para avaliar a decisão do Fed de cortar emergencialmente a taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual, para 3,5% ao ano.

- O mercado havia sido pego de surpresa na terça-feira pela decisão do Fed, e os investidores correram para comprar ações, o que é natural em cenário de queda de juros. Mas ontem, depois de pesarem o corte, os agentes perceberam que a situação pode estar mais séria do que se pensava e que a recessão é inevitável - disse.

Para analista, Dow Jones atingiu o seu piso

A Bovespa foi influenciada pelas bolsas européias, que caíram com declarações do presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, de que a instituição se concentrará no combate à inflação, um sinal de que não haverá corte nos juros, hoje em 4% ao ano. As bolsas de Frankfurt e Paris caíram mais de 4%. No fim do dia, a Bovespa reduziu suas perdas, mas fechou antes dos índices americanos começarem a operar no azul.

As bolsas americanas abriram em baixa, com os investidores ainda não totalmente convencidos de que a ação do Fed poderá evitar a recessão. Também pesaram a queda de 84% nos lucros trimestrais da Motorola e a perspectiva de desaceleração nas vendas da Apple, que divulgou seus resultados na noite de terça-feira. As ações das duas empresas caíram, respectivamente, 18,75% e 10,65%.

Mas, a menos de uma hora do encerramento dos negócios, houve uma corrida para comprar papéis baratos. Também pesou uma nota divulgada no site do jornal britânico "Financial Times", segundo a qual as autoridades reguladoras do setor de seguros obrigariam os controladores das financeiras Ambac e MBIA - que trabalham com seguro para papéis lastreados em hipotecas de alto risco (subprime) - a injetarem cerca de US$15 bilhões nas empresas. Seus papéis saltaram 72% e 33%, respectivamente. O índice Dow Jones avançou 2,50%, o Nasdaq - que chegara a cair 3% - subiu 1,05% e o S&P, 2,14%.

- A especulação de que essas seguradoras hipotecárias possam receber uma ajuda ajudou o mercado a se estabilizar. Foi o suficiente - disse Joe Saluzzi, co-gerente de Operações da Themis Trading.

- Não havia movimento de compra no mercado há cinco ou seis dias. O Dow Jones chegou a um nível tão baixo que fez investidores avaliarem que já estavam em um piso. Os papéis estavam muito baratos - avaliou o analista Michael Bischoff, da Webb Financial Group.

O corte de juros pelo Fed ajudou a animar os pregões asiáticos depois de dois dias de queda, que puxaram os índices da região aos menores níveis dos últimos 15 anos. A Bolsa de Hong Kong, fortemente influenciada pelo dólar, subiu 10,72%, enquanto a de Xangai teve alta de 3,14% e a de Tóquio, de 2,04%. Apesar da recuperação dos pregões, muitos investidores asiáticos vêem o corte de juros como uma avaliação mais realista do BC americano, ou seja, o perigo de recessão nos EUA é muito mais grave do que se imaginava.

A crise parece longe de acabar. Ontem, a Sallie Mae, que trabalha com empréstimos a estudantes nos EUA, divulgou um prejuízo de US$1,6 bilhão no quarto trimestre, devido ao aumento nos custos do crédito e a uma provisão de US$575 milhões para potenciais calotes. No mesmo período de 2006, a empresa teve lucro de US$18 milhões.

E o Merrill Lynch previu, em relatório, uma queda de 15% nos preços dos imóveis este ano e de mais 10% em 2009. O diretor-executivo do banco, John Thain, disse ainda que espera mais cortes de juros do Fed, que se reúne no próximo dia 30.

(*) Correspondente, com agências internacionais

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