Título: Lula: crise dos EUA me deixa de orelha em pé
Autor: Damé, Luiza; Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 24/01/2008, Economia, p. 27

AMEAÇA GLOBAL:Em reunião ministerial, presidente reafirma que país não abrirá mão da responsabilidade fiscal.

Presidente do BC diz que Brasil tem armas para enfrentar crise, mas economia pode crescer menos este ano.

BRASÍLIA. O Brasil conta atualmente com cinco armas para fazer frente à desaceleração da economia mundial que deverá se seguir à atual turbulência financeira. Mas é possível que o desempenho nacional não seja excepcional em 2008. Esta foi a mensagem do presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus demais 36 ministros em exposição sobre a conjuntura na reunião de equipe realizada ontem no Palácio do Planalto.

Ao fim da exposição, Lula resumiu, segundo participantes do encontro, o espírito do governo: "A crise americana me deixa de orelha em pé, mas o Brasil nunca esteve tão seguro".

Meirelles foi enfático ao dizer que a crise - a primeira de grandes proporções na gestão petista, desde 2003 - é grave e deve ser acompanhada com atenção, pois ainda não se tem noção exata de seu tamanho. Mas passou tranqüilidade aos participantes sobre seus desdobramentos.

O presidente do BC substituiu na última hora o ministro da Fazenda, Guido Mantega, como o expositor do cenário macroeconômico. Mantega acordou com forte dor de dente e marcou consulta de emergência, chegando atrasado à primeira reunião ministerial de 2008.

Meirelles - que saiu do encontro direto para a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que manteve em 11,25% ao ano a taxa básica de juros - apoiou a avaliação de que os fundamentos do Brasil são sólidos o suficiente para enfrentar a crise em ao mesmo cinco aspectos. Ele argumentou primeiramente que o mercado interno está em expansão constante e acelerada.

Para tanto, apresentou dados sobre o crescimento do volume de crédito, o aumento da massa salarial e o conseqüente fortalecimento do consumo das famílias.

Relação Dívida/PIB em queda beneficia país

Meirelles observou ainda que os EUA - epicentro do esperado desaquecimento global - diminuíram de peso nas exportações brasileiras, respondendo por apenas 15% do total. Isso evitaria que o Brasil seja afetado de forma desastrosa pela queda nas compras americanas.

Além disso, salientou, o principal indicador internacional de solvência no Brasil está em queda consistente - a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos em um país) - e o sistema financeiro está equilibrado. Ele garantiu que os bancos estão saudáveis e não fazem parte das instituições que ficaram com créditos imobiliários americanos podres em suas carteiras.

Por último, mesmo se houvesse fuga intensa de capitais, o país dispõe atualmente de US$186 bilhões nas reservas internacionais (muito mais do que o endividamento externo público e privado total, o que faz do Brasil um credor em dólares).

Lula, mais uma vez, assentiu, garantindo aos demais ministros que o Brasil está crescendo e que a atual situação mostra que o país estava correto em diversificar suas relações comerciais. O presidente aproveitou para reiterar que o país manterá a responsabilidade fiscal e, também, para fazer propaganda do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), fundamental, segundo ele, para dar sustentabilidade à expansão doméstica.

Segundo participantes da reunião, Lula afirmou que "estamos numa situação de solidez porque fizemos nosso dever de casa para chegar a esse patamar. Por isso, não vamos abrir mão do equilíbrio fiscal".

Apesar de dizer que o Brasil tem condições de "crescimento bom" em 2008 (5%), Meirelles admitiu, segundo relato de participantes, que a expansão poderá ser menor, dependendo da intensidade dos efeitos da crise. O próprio BC, em sua última posição oficial, em dezembro, estimou a variação do PIB deste ano em 4,5%.

Momento do Brasil é de serenidade, diz Meirelles

Segundo o ministro de Relações Institucionais, José Múcio, porta-voz do encontro, "o ministro Meirelles disse que a crise é a preocupação do mundo, mas foi em tom de serenidade. Ele disse que o Brasil fica atento porque a crise acontece nos EUA e não em um país qualquer. O mundo todo está voltado para os EUA, mas que, devido ao trabalho dos últimos anos, o nosso momento é de serenidade".

- A crise é séria. Mas, comparando com outros países e com o próprio país em outros momentos, o Brasil tem solidez, o que permite atravessar a crise com o ritmo de crescimento adequado. Foi isso que disse Meirelles - reforçou o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS).

- Meirelles disse que ainda não dá para definir se vai ter ou não recessão nos EUA. Mas se tiver impacto no Brasil, será pequeno porque o mercado brasileiro de exportação já está descolado dos EUA - reiterou o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).