Título: A trágica verdade sobre punição coletiva
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 24/01/2008, O Mundo, p. 29

Não desejo de forma alguma desculpar a imoral e cruel política israelense de impor um cerco a Gaza. Porém, devo dizer que a terrível verdade é que a punição coletiva dos palestinos tem sido usada como arma política no conflito entre árabes e judeus desde a criação do Estado de Israel, de várias formas e por todos os lados.

Os palestinos desafortunados o suficiente para viver nos campos do Líbano, por exemplo, não estão absolutamente destituídos de direitos e dependentes de ajuda da ONU devido unicamente à política israelense. A política árabe também impõe restrições que determinam que os palestinos vivam em sofrimento, para que não caiam nas mãos de Israel, abandonem a luta e sigam em frente com suas vidas.

É fácil condenar Israel quando minimiza a crise humanitária e afirma que o Hamas está fazendo ¿as coisas parecerem piores¿. Mas talvez seja mais razoável simplesmente aceitar que Israel, neste caso, tem uma certa razão, pois faz parte da política do Hamas enfatizar a opressão imposta por Israel aos palestinos. Afinal, o Hamas, como a maioria dos demais grupos islâmicos, vive de difundir a idéia de uma vitimização muçulmana.

O Hamas abraça essa vitimização, a elabora e a difunde. O Hamas não condena o disparo de foguetes de Gaza contra o sul de Israel, o que dá a justificativa para a ação israelense contra Gaza. Pelo contrário, o Hamas insiste que o disparo de foguetes é ¿simbólico¿, uma débil e quase metafísica expressão do direito palestino de expressar sua hostilidade à humilhação e degradação imposta a seu povo.

O Hamas também conspira por uma punição coletiva. Ele vê o sofrimento em Gaza como um instrumento na luta por atenção internacional, e um componente necessário da guerra da propaganda. Nesta guerra, o Hamas luta em duas frentes: contra Israel, é claro, mas também contra o Fatah, o grupo laico transformado em representante da luta palestina por uma nacionalidade.

Num acordo multilateral, Israel, Fatah, União Européia e EUA compartem o desejo de isolar o Hamas dentro de Gaza, embora todos eles se considerem os paladinos da causa democrática, e mesmo tendo o Hamas vencido as eleições parlamentares de 2006. Não importa que o Fatah tenha sido visto até recentemente como a mais demoníaca manifestação imaginável do anti-sionismo árabe. O Fatah, apesar dos defeitos, não é um grupo islâmico. E como o inimigo de um inimigo é um amigo, Israel busca um acordo de paz com o Fatah, mas o Hamas está emperrando o pacto. O Fatah também fetichiza a vitimização palestina e não hesita em expressar essa vitimização na busca de seus objetivos.

A resistente crença árabe de que é politicamente sábio continuar tratando os palestinos como agentes passivos, à espera de ajuda, os incapacita de se ajudarem ou se sustentarem e ajuda Israel no seu voraz desejo de manter esse mito. Na verdade, isso reforça o projeto atual de torná-lo uma realidade imutável.

DEBORAH ORR é colunista do Independent