Título: Avalanche palestina
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 24/01/2008, O Mundo, p. 29
Milhares de moradores de Gaza derrubam muro e invadem Egito em busca de alimentos e combustível.
Centenas de milhares de palestinos fugiram ontem da Faixa de Gaza e entraram ilegalmente no Egito, após explodirem uma parte do muro que separa as duas áreas. A invasão é uma tentativa desesperada de obter alimentos e combustíveis, escassos após uma semana do embargo israelense que deixou 1,5 milhão de palestinos à beira de uma catástrofe humanitária. Na madrugada, homens do grupo radical islâmico Hamas detonaram explosivos na cidade de Rafah, junto ao muro do chamado ¿Corredor Filadelfi¿, que demarca a fronteira entre Gaza e o Egito, abrindo caminho para uma multidão que invadiu o lado egípcio da cidade para comprar artigos de primeira necessidade.
Comerciantes comemoram
Segundo a ONU, pelo menos 350 mil palestinos cruzaram a fronteira, fechada pelos egípcios desde a chegada do Hamas ao poder, em junho passado. A notícia da abertura da fronteira se espalhou nas primeiras horas da manhã e famílias inteiras correram para o sul de Gaza para chegar ao lado egípcio. Num misto de desespero e alívio, muitos aproveitaram não só para fazer compras e estocar mantimentos, mas também para comprar mercadorias como cigarros e até mesmo bicicletas e motocicletas usadas para revender aos que permaneceram no território palestino. Outros aproveitaram para para rever amigos e parentes exilados no Egito.
¿ Meus irmãos e irmãs estão no Egito. Estamos passando fome em Gaza. Os israelenses fecharam a fronteira, os egípcios também não permitiam a passagem. Graças a Deus explodiram o muro. Que Deus tenha piedade de nós ¿ desabafou uma mulher à TV.
Os comerciantes egípcios saudaram a visita inesperada, que aqueceu a economia de Rafah, cuja maioria da população de cerca de 45 mil habitantes se equilibra economicamente para não ultrapassar a linha de pobreza. A explosão do muro e a massa humana em direção a Rafah pegaram de surpresa as forças de segurança egípcia, que não souberam como reagir. No Cairo, o presidente, Hosni Mubarak, determinou ao Exército do país que permita a passagem dos palestinos. Num comunicado, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Egito, Hussan Zeki, garantiu que a fronteira será fechada após o retorno dos palestinos.
¿ Disse que eles podem entrar para comer e comprar alimentos desde que não estejam carregando armas ¿ afirmou o presidente.
A crise colocou em xeque a diplomacia egípcia. À tarde a polícia dispersou uma manifestação pró-Hamas no Cairo e mais de mil ativistas da Irmandade Muçulmana, grupo que deu origem ao Hamas, foram detidos. Encurralado entre a pressão do mundo árabe para ajudar aos palestinos e a necessidade de manter as relações diplomáticas com Israel, Mubarak acabou sendo envolvido no conflito.
O premier de Israel, Ehud Olmert, telefonou pedindo explicações. Os israelenses temem que a abertura da fronteira entre a Faixa de Gaza e o Egito traga de volta o contrabando de armas e munições através do Corredor Filadelfi, não só pela superfície, mas também por túneis subterrâneos que ligam Rafah a casas de civis palestinos alugadas especialmente para receptar a mercadoria. A muralha detonada ontem foi construída por Israel como parte dos acordos de Oslo e tem 20 quilômetros de extensão. Até setembro de 2005 a área era controlada por tropas israelenses, que deixaram o local como parte do plano de retirada da Faixa de Gaza do ex-premier Ariel Sharon.
Mesmo após a retirada unilateral israelense da Faixa de Gaza, a discussão sobre o controle militar do Corredor Filadelfi é recorrente no governo de Israel. Apesar de não dar sinais de que pretende reocupar a região, Olmert enfrenta uma séria pressão da direita para a retomada da área como forma de garantir a segurança de Israel.
Hamas sinaliza negociação
Em meio à sensação de alívio entre os palestinos de Gaza e após meses de racha na política palestina, o primeiro-ministro do Hamas, Ismail Haniyeh, surpreendeu ao convocar a realização urgente de um encontro com representantes do governo egípcio e o presidente palestino, Mahmoud Abbas, do Fatah, com quem não fala há pelo menos um ano, para discutir o fim do bloqueio e a crise humanitária. A declaração foi recebida com desconfiança na Cisjordânia, sede do Fatah.
¿ Em vez de explodir o muro, o povo deveria ter explodido os escritórios do Hamas ¿ disse ao GLOBO Bassam Eid, diretor do Grupo Palestino de Monitoramento dos Direitos Humanos.
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