Título: A soja da discórdia
Autor: Damé, Luiza; Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 25/01/2008, O País, p. 3

ATAQUE À FLORESTA

Para Marina, grãos e carne são culpados pelo desmatamento; Stephanes rebate.

Um dia depois de admitir o recorde no desmatamento na Amazônia, o governo mostrou ontem que não se entende sobre o que provocou a destruição da floresta. Os ministros Marina Silva (Meio Ambiente) e Reinhold Stephanes (Agricultura) divergiram publicamente, e também durante reunião de emergência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ontem no Palácio do Planalto. Enquanto Marina insistia que entre as causas está o aumento do preço da soja e da carne no mercado internacional, Stephanes rebatia essa tese. Segundo o ministro, dados do IBGE mostram que nos últimos quatro anos não houve aumento da área de plantio de soja no país:

- A soja não é responsável. Tanto que a área de plantio do produto tem diminuído nos últimos anos.

Na reunião, Marina elogiou o comportamento de Stephanes, mas relacionou o agronegócio como responsável pelo aumento do índice de devastação da Amazônia. Ao sugerir as medidas a serem adotadas imediatamente, Marina incluiu como primeiro ponto o "controle da agropecuária". Stephanes respondeu que certamente a soja não estaria influenciando, pois a área plantada tem diminuído nos últimos quatro anos. Em relação à carne, seria preciso analisar. Para o ministro, uma das principais causas seria o movimento das madeireiras. Os dois ministros não chegaram a bater boca. Mesmo assim o presidente interveio.

- Não é hora de acusar ninguém. Os ministros têm de ir ao local, ver o que está acontecendo e tomar as providências necessárias. Temos de redobrar nossos esforços - disse Lula, segundo participantes da reunião.

Lula: "É um crime contra a economia"

À noite, no Rio, Lula falou sobre o desmatamento.

- Não é necessário no Brasil derrubar uma única árvore na Amazônia para plantar um pé de soja. Não é necessário derrubar uma única árvore para criar uma cabeça de gado. Se alguém está fazendo isso estará cometendo uma ilegalidade e, sobretudo, um crime contra a economia brasileira. Porque na hora em que o mundo percebe que vai haver desmatamento na Amazônia para produzir soja, cana ou gado, certamente nós, que hoje somos competitivos, vamos sofrer uma concorrência muito mais séria - disse o presidente.

Pessoas próximas a Stephanes disseram que ele está realmente irritado com as interpretações dadas pelo Meio Ambiente. Segundo uma fonte, Stephanes já tinha conhecimento, há cerca de duas semanas, de que o anúncio sobre os dados relativos ao desmatamento seria feito em breve. Desde então, ele vem desafiando qualquer um - de dentro e fora do governo - a apontar uma única cidade do bioma amazônico que esteja com problemas de desmatamento.

- A Amazônia Legal é uma coisa e o bioma é outro. O ministro está cansado de ouvir que a culpa é da agricultura - disse um assessor.

Stephanes afirmou, em entrevista ao lado de Marina e do ministro da Justiça, Tarso Genro, que seu ministério está "totalmente integrado" ao programa contra o desmatamento. Ele disse que há terras disponíveis fora da Amazônia para incrementar a produção de soja e de carne:

- Não há necessidade de se derrubar nenhuma árvore na Amazônia para se aumentar a produção de soja no Brasil, nem a produção de carne. Temos terra suficiente disponível fora do bioma amazônico.

Marina disse que ainda não há uma análise conclusiva, mas citou o preço da carne e da soja como uma das causas do desmatamento.

- Temos uma situação atípica de aumento do desmatamento em meses em que não ocorria. Estamos vivendo um período atípico de estiagem longa, um período eleitoral, que cria dificuldade de operação com agentes locais. E o aumento de commodities.