Título: Obama e o meio ambiente: ainda na cota da esperança
Autor: Bernardo, Maristela
Fonte: Correio Braziliense, 26/04/2009, Opinião, p. 17

Jornalista e doutora em sociologia

Barack Hussein Obama chega ao seu centésimo dia na presidência dos Estados Unidos com todos os graves problemas que recebeu de Bush ainda relativamente intactos. Mas a atitude! Essa mudou radicalmente, a ponto de termos dificuldade de lembrar o velho Bush belicoso e ultraconservador como imagem americana. Até Fidel Castro e Hugo Chávez piscaram e abriram a guarda.

Na área ambiental, as medidas tomadas parecem dar lastro à atitude e mostrar que não se trata de puro marketing, como acontece com muitos governantes quando tratam de temas ambientais. No fim de março, Obama promulgou uma lei criando cerca de 800 mil hectares em reservas naturais em nove estados, ampliando parques e áreas de proteção de rios. Grande alívio para os ambientalistas que, no governo anterior, nadavam contra a corrente das tentativas de reduzir as áreas protegidas existentes, em geral para a instalação de empreendimentos altamente degradadores.

No último dia 23, Dia da Terra, Obama discursou numa antiga fábrica de eletrodomésticos do estado de Iowa, convertida em produtora de equipamentos de energia eólica. Falou de uma revolução energética que os Estados Unidos deverão desencadear em benefício próprio ¿ para acabar com a dependência do petróleo ¿ e do planeta, combatendo o aquecimento global. Reconheceu o brutal erro americano em demorar demasiadamente a entrar nos esforços globais para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, mas deu clara demonstração de que pretende sair do fim da fila para assumir posição de liderança na nova corrida contra o tempo que tem data marcada para ser desencadeada: no fim deste ano, em Copenhagem, quando quase todos os países estarão firmando compromisso com novas regras de redução de emissões para o pós-Protocolo de Kyoto, a partir de 2012.

O Congresso, apático diante da inoperância ambiental de Bush, também reagiu aos novos estímulos. Os democratas apresentaram à Câmara o projeto de lei sobre energia e meio ambiente mais abrangente dos últimos anos, já avançando em normas para o mercado de créditos de carbono e deixando entrever novos tempos para os americanos, pois parece inexorável o abandono da cultura perdulária em energia, cujo símbolo são os carrões bebedores de combustível, hoje em desgraça.

O que mais chama a atenção em Obama, contudo, é a maneira sofisticada com que conseguiu, logo de cara, colocar adequadamente a questão ambiental em foco, quando talvez o mundo e os americanos se contentassem com um discurso que mostrasse firmeza, em termos convencionais, contra a crise financeira. Obama foi além, e nisso está o diferencial que justifica vê-lo como peça-chave para uma mudança de escala no movimento global de troca de paradigmas de desenvolvimento, transitando para o padrão sustentável de que se fala há décadas.

A maneira como Obama sinalizou que a saída para a crise financeira é necessariamente verde, articulando-a com a crise ambiental em curso, colocou-o à frente da maioria dos governantes, inclusive de Lula, que patina cada vez mais em retrocessos ambientais que denunciam o seu conservadorismo nessa área e o utilitarismo e rapidez com que se dispõe a deixar de lado regras importantes de uso dos recursos naturais, em nome de um desenvolvimentismo de curto prazo de olho no calendário eleitoral.

Algumas das afirmações feitas por Obama no discurso do Dia da Terra permitem supor que sua inflexão na direção sustentável é consistente e determinada: a nação que liderar o mundo na criação de novas fontes de energia, liderará a economia global do século 21; os Estados Unidos podem ser essa nação, se conseguir assentar novas bases para seu crescimento econômico, criando milhões de empregos a partir de atividades que usem energia limpa. Lamentou que seu país produza menos de 3% de eletricidade por meio de fontes renováveis, quando outros países ricos estão muito adiante.

É claro que incomoda um pouco o cacoete americano de querer estar à frente de tudo. Ainda falta a Obama a plena capacidade de pensar num mundo com liderança compartilhada e um modelo de governança global capaz de enterrar o estilo centro-periferia. Mas aí seria querer demais. Se Obama persistir no que vem anunciando até agora, já será um poderoso indutor de mudanças fundamentais neste século.

Cem dias, de qualquer forma, é muito pouco para avaliar se o rio vai seguir seu curso. Obama ainda está na cota da esperança, embora ter esperança, hoje em dia, já seja motivo de júbilo. Mas, é claro, sem perder a saudável desconfiança, jamais.