Título: A crise afetará o Brasil?
Autor: Batista Jr., Paulo Nogueira
Fonte: O Globo, 26/01/2008, Opinião, p. 7

Essa é a pergunta que o brasileiro faz neste momento. Aqui nos EUA, reina ainda grande incerteza sobre a duração e a profundidade da crise. O mais provável é que ocorra uma recessão em 2008 ou pelo menos uma desaceleração acentuada - apesar das medidas de reativação que estão sendo tomadas nas áreas monetária e fiscal.

Ninguém sabe se a recessão (ou a desaceleração) será curta ou longa, leve ou profunda. De qualquer maneira, ela é perigosa neste momento, pois pega o sistema financeiro americano em situação vulnerável. Os problemas financeiros, que estão na origem da possível ou provável recessão, ficarão mais graves se a recessão de fato ocorrer.

O Brasil não tem motivos para entrar em pânico - não por enquanto, pelo menos. A nossa dependência direta do mercado americano não é tão elevada. Os EUA absorvem apenas 16% das exportações brasileiras. O México, por exemplo, tem os EUA como destino para mais de 80% das suas exportações.

É claro que uma recessão nos EUA também afetaria o Brasil indiretamente, ao reduzir o nível de atividade em outros países importantes para o comércio do Brasil. Existem, além disso, canais de contágio financeiro, como estamos vendo agora em janeiro. A situação de grande nervosismo nos EUA e na Europa pode contaminar os mercados financeiros no Brasil, ao provocar saídas de capital ou dificuldades de captação de recursos no exterior. A fragilidade das instituições financeiras européias, por exemplo, parece cada vez mais preocupante.

A situação da economia brasileira nos confere, entretanto, condições de resistir a choques externos de intensidade moderada. O mínimo que se pode dizer é que o quadro brasileiro é bem mais forte do que foi, por exemplo, na década de 1990 ou nos primeiros anos da década atual.

Anteontem, as reservas internacionais chegaram a US$186,5 bilhões. O balanço de pagamentos continua apresentando bom desempenho, apesar de uma certa deterioração recente. A inflação está no centro da meta. Os resultados das contas públicas têm sido favoráveis, como procurei mostrar nesta coluna há quinze dias.

Quais são nossos pontos fracos? Como se sabe, um grande problema foi a derrubada da CPMF. Compensar essa perda não é tarefa trivial, tendo em vista o volume de receitas que o tributo gerava.

No que diz respeito ao setor externo da economia, uma fragilidade importante é o câmbio que, como não canso de dizer, sofreu apreciação excessiva nos anos recentes. O real forte ajudou a controlar a inflação, mas vem solapando aos poucos as contas externas. O valor das importações está crescendo mais de 40%, em grande medida por causa da valorização cambial.

Outra fraqueza é a excessiva abertura aos movimentos de capital. O nosso passivo externo de curto prazo (incluindo dívidas e investimentos de portfólio) alcançava US$267 bilhões em novembro. Em situação de incerteza, uma parte desses investidores e credores pode buscar a porta de saída rapidamente, como começou a acontecer nas últimas semanas. Além disso, na hipótese de uma crise grave, há um risco de fuga de capitais de brasileiros, uma vez que os ativos financeiros domésticos têm prazos curtos e não existem mais restrições importantes à remessa de capitais do Brasil para o exterior.

Precisamos, portanto, continuar fortalecendo nossas defesas. Isso significa, entre outras coisas, manter a austeridade fiscal, assegurar uma taxa de câmbio competitiva, regular os movimentos de capital e aumentar a razão reservas/passivos externos de curto prazo.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional. E-mail: pnbjr@attglobal.net