Título: Delúbio envolve a cúpula do PT no mensalão
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 26/01/2008, O País, p. 10

Ex-tesoureiro diz à Justiça que executiva deu a ele carta-branca para quitar dívida não contabilizada de R$26 milhões.

SÃO PAULO. Depois de carregar sozinho por mais de dois anos a culpa pelo escândalo do mensalão, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares decidiu dividir a responsabilidade com a direção nacional do partido. Interrogado quarta-feira na Justiça Federal, Delúbio disse que toda a executiva nacional do PT sabia da existência de uma dívida não contabilizada de R$26 milhões, remanescente da campanha de 2002. Em reunião, a executiva teria dado carta-branca ao ex-tesoureiro para obter recursos. A saída encontrada por Delúbio foi recorrer ao publicitário Marcos Valério, que repassou R$55 milhões ao PT por meio de suas empresas.

"Encontra uma solução para esse problema", teriam dito dirigentes petistas, segundo trecho do interrogatório prestado à juíza da 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo, Sílvia Maria Rocha, ao qual o GLOBO teve acesso. No depoimento, Delúbio cita nomes de todos os setores do partido e do governo.

Ex-tesoureiro cita nomes de dirigentes do PT em 2002

Entre os nomes dos integrantes da executiva em 2002 citados por Delúbio estão Marta Suplicy (então vice-presidente do PT, hoje ministra do Turismo), Valter Pomar (líder da corrente Articulação de Esquerda, então segundo-vice, hoje secretário de Relações Internacionais), Romênio Pereira (um dos articuladores da campanha de Jilmar Tatto à presidência do PT, na época secretário de Relações Institucionais), Joaquim Soriano (um dos líderes da Mensagem ao Partido, atual secretário-geral do PT), Aloizio Mercadante (senador, na época líder do PT na Câmara), Jorge Bittar (deputado, na época secretário-geral), além do então presidente do partido José Genoino e Sílvio Pereira, que na época era secretário de Organização.

À juíza, Delúbio disse que a origem do mensalão foi uma dívida de R$26 milhões deixada por candidatos ao governo em oito estados. Segundo Delúbio, nem o PT acreditava no sucesso eleitoral destes candidatos e, por isso, o partido não estava preparado para o gasto extra.

"Dos problemas todo mundo sabia, eu não inventei essa dívida, não saí distribuindo dinheiro por aí, foi um dinheiro solicitado pelos diretórios regionais. E as pessoas sabiam, todo mundo sabia do problema", disse o ex-tesoureiro.

Aos R$26 milhões foi acrescida uma dívida de R$28 milhões referente a compromissos com partidos que apoiaram a candidatura de Lula à Presidência e futuras despesas das campanhas municipais de 2004. Segundo Delúbio, o PT pagou pelos apoios. Ele citou as cifras: PL, R$10 milhões; PTB, R$4 milhões; PMDB, R$2 milhões e PP, R$8 milhões. O PT recebeu no total R$30 milhões.

Partido teria rejeitado recolher contribuições legais

Delúbio disse à juíza que a cúpula do partido rejeitou a possibilidade de recolher o dinheiro pelas vias legais, por meio de doações de empresas e pessoas físicas declaradas à Justiça Eleitoral, por medo de que os doadores exigissem em troca vantagens no governo. A saída foi recorrer a Valério, que, numa "relação de confiança", disse Delúbio, colocou suas empresas à disposição e captou R$55 milhões no mercado financeiro e enviou o dinheiro aos credores ou candidatos endividados. "Nós nunca demos calote em ninguém. Queríamos honrar o compromisso", disse Delúbio.

Conforme Delúbio, parte dos R$30 milhões destinados ao PT foi usada para a ampliação da rede de diretórios municipais. Entre 2002 e 2004, o PT saltou de 2.500 diretórios municipais para cerca de 5 mil.

A juíza duvidou da versão de Delúbio: "Se o senhor tinha preocupação de que pessoas físicas e jurídicas pudessem se aproximar e dar esse dinheiro, como explica a aproximação com Marcos Valério? O que é que ele queria em troca, ou não ia querer nada, é o salvador da pátria?" O ex-tesoureiro negou.

Delúbio também contradisse o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Interrogado anteontem, Dirceu negou ter recebido a presidente do Banco Rural, Katia Rabelo, na Casa Civil para falar sobre a compra do Banco Mercantil de Pernambuco. Segundo Dirceu, Katia fez uma breve menção sobre o assunto em um jantar em Belo Horizonte. Delúbio disse ter presenciado a reunião na Casa Civil.

O PT divulgou uma nota sobre o depoimento de Delúbio: "O PT não analisará o conteúdo de cada depoimento isoladamente, preferindo aguardar o conjunto das declarações para conferir a consistência com os registros contábeis e atas de reuniões das instâncias partidárias". Mercadante, Marta e Bittar foram procurados, mas não foram encontrados. Soriano e Pomar negaram a reunião da executiva e disseram que a versão faz parte da defesa de Delúbio.

- A declaração dele é mentirosa. Para cometer ilegalidade, ninguém convoca uma reunião - disse Pomar.

O advogado de Delúbio, Celso Vilardi, negou que o cliente tenha acusado a executiva petista de liberar o caixa dois.

Romênio Pereira admitiu que a versão pode ser verdadeira:

- Pode ter tido um auxílio do diretório nacional.