Título: ONGs milionárias no esquema
Autor: Amora, Dimmi; Araújo, Vera
Fonte: O Globo, 26/01/2008, Rio, p. 16

Entidades de acusados de fraudes tiveram R$26,9 milhões em contratos com governos.

Pelo menos 12 empresas e sete organizações não-governamentais foram identificadas, nas investigações do Ministério Público e da Polícia Civil para a operação Uniforme Fantasma, como sendo de pessoas acusadas de desviar dinheiro público em prefeituras do Estado do Rio. As sete ONGs tiveram, nos últimos anos, contratos milionários com as prefeituras e o governo do estado. Num levantamento feito pelo GLOBO no Tribunal de Contas do Estado (TCE), essas ONGs tinham pelo menos R$26,9 milhões em contratos, a maioria sem licitação.

Na operação de anteontem, 28 pessoas tiveram a prisão decretada pela Justiça de Magé e 60 mandados de busca e apreensão foram expedidos. Ontem, Luiz Ramos Bastos, que seria funcionário da prefeitura de Paraíba do Sul, se apresentou. Duas pessoas foram soltas por estarem colaborando com as investigações. Com isso, há 18 preso e oito foragidos, entre eles o ex-prefeito de Magé Charles Cozzolino e a secretária de Fazenda, Núcia Cozzolino, ambos irmãos da prefeita Núbia Cozzolino. Segundo as investigações, quatro quadrilhas - todas com ramificações na prefeitura de Magé - teriam dado prejuízo de pelo menos R$100 milhões aos cofres públicos.

As fraudes aconteciam em vários setores e começaram a ser investigadas a partir da compra de uniformes para escolas de Magé. A dona-de-casa Silvania Souza Assis, de 32 anos, é mãe de Juliana, de 11, que há três usa a mesma camiseta para estudar na 5ª série da Escola Municipal Maria Clara Machado. A camiseta, amarelada de tanto lavar, é tamanho P e já não cabe na menina.

- Onde está o dinheiro que a prefeitura recebe para uniforme? - perguntou Silvania

Uma das ONGs suspeitas é o Instituto Nacional de Desenvolvimento de Políticas Públicas (INPP), que seria ligado ao empresário Arley Pereira, um dos presos. O INPP é uma das 12 ONGs que receberam R$254 milhões do governo do estado entre 2005 e 2006. Três delas (IBDT, INEP e INAAP) tinham entre os donos pessoas ligadas às empresas que doaram dinheiro à pré-campanha de Anthony Garotinho à presidência.

Dois prefeitos devem ser indiciados

O INPP tinha dois contratos com a Fundação Escola de Serviço Público, de R$12 milhões, que estão sendo investigado pelo TCE. Além do governo estadual, a ONG também tem contratos com seis prefeituras, totalizando pelo menos R$15,8 milhões.

Segundo as investigações do MP, o advogado Tarcísio Padilha, também secretário de administração de Santo Antônio de Pádua, controla pelo menos três ONGs: a Organização Nacional de Estudos e Projetos (Onep), o Instituto de Assistência ao Município (IAM) e a Associação Brasileira de Desenvolvimento Humano (IBDH). O levantamento no TCE mostra que elas têm pelo menos R$11 milhões em contratos com órgãos públicos.

O IBDH tem um contrato com a prefeitura de Santo Antônio de Pádua, que está sob investigação do TCE, no valor de R$7,2 milhões. O serviço que tem de ser realizado não está especificado e o tribunal encaminhou solicitação ao prefeito Luís Fernando Padilha, para que explique o contrato.

Tarcísio Padilha é um dos chefes da organização. De acordo com as informações dos promotores, o dinheiro público entrava na conta das ONGs e depois seguia para as contas pessoais dele, que teriam movimentado pelo menos R$1,5 milhão. O dinheiro servia para pagar propina a políticos, como revelou depoimento de um preso. Entre os que recebiam estavam Núbia Cozzolino (pelo menos quatro vezes) e o prefeito de Aperibé, Paulo Fernando Dias.

Entre as ONGs que tinham contrato com Aperibé estão duas associadas a Tarcisio Padilha: a ABDH e a Onep. Foram pelo menos R$3,5 milhões. Com os depoimentos e as provas colhidos até agora, promotores acreditam que os dois prefeitos (Núbia e Paulo) deverão ser indiciados. Como têm foro privilegiado, eles terão que ser investigados pelo procurador-geral de Justiça, Marfan Vieira.

- Vamos denunciar os que estão presos e abrir um novo inquérito para investigar novos acusados - explicou o procurador.

Em alguns telefonemas, os acusados parecem desconfiar que estão sendo grampeados e pedem aos interlocutores que não façam declarações comprometedoras. Núbia também pede que evitem falar sobre alguns assuntos. Numa das gravações, aparece uma ex-juíza, Eliane Alfradique, expulsa da magistratura do Rio em 1995 e que está na condicional. Ela tem quatro condenações, que somam 22 anos e sete meses de prisão, e é apontada no organograma como pertencente à quadrilha.

O prefeito de Angra dos Reis, Fernando Jordão, levou à polícia documentos comprovando que um dos presos na operação, Elias Augusto Marcolino, nunca foi servidor municipal. Segundo ele, a prefeitura não está envolvida nas fraudes.