Título: A ascensão do Furher
Autor: Magalhães-Ruether, Graça
Fonte: O Globo, 26/01/2008, História, p. 36

Após 75 anos, livros revêem episódios políticos que levaram Hitler ao poder.

Setenta e cinco anos depois, a Alemanha revê as causas do inicio da maior catástrofe da História do país, que começou com a ascensão de Adolf Hitler ao poder, no dia 30 de janeiro de 1933, e se estende até a capitulação alemã, que marcou o fim da Segunda Guerra Mundial, em 8 de maio de 1945, com reflexos até os dias de hoje. Novas publicações indicam que Hitler não precisou iludir o povo alemão, nem lançar mão de truques, para ser indicado chanceler federal (chefe do governo) pelo então presidente Paul von Hindenburg.

¿ Hindenburg indicou Hitler porque julgava possível uma união da direita alemã com o austríaco ¿ diz o historiador Heinrich August Winkler um dos maiores especialistas na ditadura nazista.

O idoso Hindenburg tinha, na verdade, uma aversão pelo ¿soldado boêmio¿, como chamava Hitler, por causa da sua origem austríaca. Mas foi influenciado por uma grande aliança, que reunia a classe política, os intelectuais e os industriais. Estes últimos viam em Hitler a chance de rearmamento e de prosperidade da indústria, como disse ao GLOBO Wolfgang Wippermann, autor de diversos livros sobre a era nazista.

Até o último momento, os nazistas foram subestimados. No fim de 1932, os principais jornais alemães viam o movimento em decadência. Os comentários da época abordavam a ¿ascensão e queda de Hitler¿, como se o capítulo nazismo tivesse acabado.

Para o historiador Ernst Piper, autor do livro ¿A História do Nacional Socialismo de 1919 até hoje¿, Hitler quase foi freado pelas próprias divisões internas do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP, na sigla em alemão). A crise econômica de 1929, que havia impulsionado um novo crescimento na popularidade do partido, não era mais vista como grave pelos alemães. Mas o que causou a crise foi também a política de Hitler de ¿tudo ou nada¿. Os simpatizantes dos nazistas apoiavam uma aliança com os partidos Nacional Alemão e Centro Católico.

Entre as pessoas que mesmo nesses dias de crise ¿ quando o líder popular nazista Gregor Strasser deixou o partido em protesto contra a política de Hitler ¿ continuavam vendo a ameaça, estavam Kurt von Schleicher, que governou a Alemanha de dezembro de 1932 a 30 de janeiro de 1933, e o então chefe do Exército, General Hammerstein.

Kurt von Schleicher foi uma das muitas figuras trágicas do início do regime nazista. Ele tentou até o fim deter Hitler e cogitava até fazer uma aliança com Gregor Strasser para enfraquecer o partido. Mas Strasser recuou e Schleicher perdeu: primeiro o posto de chanceler e, no ano seguinte, a própria vida. Heinrich August Winkler diz que o plano do último chanceler antes de Hitler era ¿domesticar¿ os nazistas, contando, de um lado, com uma divisão interna do nacional-socialismo e, de outro, com a participação controlada do grupo no governo:

¿ Mas os nazistas só queriam integrar o governo com a destruição completa da democracia na Alemanha.

Hans Magnus Enzensberger, autor de uma biografia do general Kurt von Hammerstein-Equord, diz que Schleicher tentou até o último momento, inclusive com a ajuda do seu chefe militar e amigo, general Hammerstein, dissuadir Paul von Hindenburg da idéia de oferecer a chefia do governo a Hitler.

Schleicher era visto como ameaça

O general alemão chegou a planejar um golpe. No fim, os boatos do plano apenas apressaram o projeto de Hindenburg, que criticou a ¿politização¿ dos militares. Schleicher ficou apenas 60 dias no governo mas, assim mesmo, era considerado por Hitler um rival perigoso demais. Em uma das primeiras grandes ações de limpeza nas próprias fileiras, a Noite das Longas Facas, em que foram assassinados o chefe militar nazista Ernst Roehm, acusado de ser homossexual, e outras pessoas indesejáveis do partido, Ernst von Schleicher foi executado juntamente com a mulher, em sua casa.

A partir daí, Hitler foi acumulando poderes. Primeiro, ainda em 1933, ordenou a destruição de livros; depois, vieram as execuções em série, como a dos comunistas e, por fim, a partir de 1938, a execução do plano anunciado no inicio da sua carreira polÍtica, em ¿Minha Luta¿, de exterminar os judeus. A Noite dos Cristais, em novembro de 1938, quando sinagogas e lojas de judeus foram destruídas e milhares de pessoas assassinadas ou presas, foi apenas o início. Para Manfred Kittel, do Instituto de História Contemporânea de Munique, apesar disso o mundo só foi tomar conhecimento dos planos reais de Adolf Hitler um ano depois, com a invasão da Polônia. Na Alemanha, a realidade do novo regime só começou a ser vista quando as bombas começaram a cair no país.