Título: Crise dos Estados Unidos tira US$7 tri do mapa
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 27/01/2008, Economia, p. 33

AMEAÇA GLOBAL: Classe média americana é a mais prejudicada por ter muitas aplicações em mercado de ações.

Perdas das bolsas mundiais equivalem a seis PIBs do Brasil. Bancos ficarão mais conservadores com crédito.

Em menos de três meses, US$7,74 trilhões evaporaram do mapa. Esse foi o preço, até agora, da crise financeira nos Estados Unidos que, semana passada, ganhou contornos de pânico nas bolsas de valores do mundo inteiro. Trata-se de quantia suficiente para "comprar" seis vezes o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) do Brasil, estimado em US$1,27 trilhão para 2007.

Depois do sobe-e-desce dos pregões ao longo da semana, as bolsas mundiais terminaram quinta-feira com US$54,84 trilhões em valor de mercado. Estão no fundo do poço, abaixo até do nível atingido em agosto, início da crise, e valendo US$7,74 trilhões a menos que em 31 de outubro, melhor momento dos mercados desde então.

Perda reduz fôlego de empresas para se financiarem

Esse tombo no valor das bolsas mundiais, ainda que não represente um prejuízo real das empresas com ações negociadas, tem efeitos na atividade produtiva e pode acentuar a recessão que se anuncia nos EUA.

- Não se trata de uma perda efetiva de US$7,74 trilhões, não é uma riqueza real, e sim virtual ou potencial. Cai num dia, sobe em outro. Só é perda para quem vender as ações em baixa - explica Fernando Cardim, professor do Instituto de Economia da UFRJ. - Mas as perdas nas carteiras de ações e, principalmente, a volatilidade, torna os investidores mais conservadores e pode levar a uma contração da economia.

Cardim exemplifica: bancos que temem "a imprevisibilidade do dia de amanhã" e sofrem prejuízo no mercado acionário tendem a se tornar mais conservadores na concessão de crédito. Isso freia a expansão da economia. Do mesmo modo, acrescenta Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP, uma empresa, ao perder valor no mercado, tem mais dificuldade de obter financiamento. Reduz o ímpeto para lançar ações e captar recursos para investimentos.

Não por acaso, com a turbulência nos mercados mundias, pelo menos 23 firmas brasileiras adiaram sua abertura de capital ou lançamento de novos papéis nos últimos meses. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) encolheu US$264,97 bilhões em valor de mercado desde outubro. Lacerda lembra que, em 2007, 75% das emissões de ações no mercado brasileiro foram compradas por estrangeiros.

Mesmo investimentos produtivos, que muitas vezes passam ao largo do mercado financeiro, podem ser afetados. Luís Afonso Lima, presidente da Sobeet, entidade que reúne empresas transnacionais no país, lembra que tradicionalmente 12% dos investimentos diretos no mundo (aqueles destinados à produção, e não a ativos financeiros) são feitos por meio de private equity, fundos específicos para esse fim. Porém, um gestor de private equity costuma administrar outros investimentos, e uma perda no mercado acionário pode levá-lo a desistir de comprar uma empresa ou de financiar a expansão de uma indústria.

- Essa parcela do investimento direto será mais diretamente afetada, porque tem um horizonte de retorno menor, de 5 a 10 anos - afirma.

No caso da economia americana, a perda de valor das ações atinge não só as empresas como também, de forma muito mais intensa que em outros países, o bolso dos consumidores.

- A classe média americana tem muitas aplicações em bolsa. As famílias programam suas aposentadorias com base nisso. Então, a percepção dos consumidores de que perderam patrimônio pode levá-los a frear seus gastos. Por isso, o governo americano está tentando incentivar o consumo de várias formas, cortando juros, dando alívio fiscal - diz Luiz Carlos Prado, professor do Instituto de Economia da UFRJ.

Crise americana lembra recessão japonesa

Alex Agostini, da Austin Rating, destaca que a queda nas bolsas trouxe benefícios para algumas empresas. São as compradoras, que aproveitaram o valor baixo para propor fusões e aquisições. Desde o ano passado, empresas como Vale e Gerdau têm sido agressivas no mercado americano, diz:

- Aqui o valor de mercado também diminuiu. Mas lá a queda foi maior.

A ameaça é que essas perdas nas ações contaminem ainda mais a economia:

- Se o espírito de precaução entre os investidores se intensificar, o risco é os EUA caírem numa situação como a do Japão nos anos 90. Lá, a depressão começou do mesmo jeito, no mercado financeiro - afirma Cardim.