Título: O lugar-tenente de Putin
Autor: Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 27/01/2008, O Mundo, p. 37

Embalado pela popularidade do presidente russo, moderado Medvedev é seu provável sucessor.

Em russo, a palavra ¿medved¿ significa ¿urso¿. Coincidência ou não, o animal-símbolo da Rússia está na raiz do sobrenome do provável futuro presidente do país. Um dos homens fortes do governo de Vladimir Putin, o atual vice-primeiro-ministro Dmitri Medvedev, de 42 anos, conta com impressionantes 82% das intenções de votos para a eleição presidencial de março, de acordo com a última pesquisa divulgada pelo instituto independente Levada. Os dados se referem ao período de 18 a 22 de janeiro.

Ascensão rápida ao lado do amigo

Mas as aparências podem enganar. Embora tenha ¿urso¿ no nome, o candidato apoiado por Putin é conhecido pelo tom mais moderado. A mídia normalmente usa expressões como ¿fala mansa¿ e ¿jovem advogado talentoso¿ para se referir a este burocrata que acompanha o presidente russo há pelo menos 17 anos, desde São Petersburgo (cidade natal de ambos), quando trabalharam juntos na assessoria de assuntos internacionais da prefeitura. Pessoas próximas afirmam nunca ter visto este sereno urso rugir, mas garantem que tem espírito de liderança e a capacidade de aprender rápido. Também parece ser mais feito de carne e osso do que o atual presidente.

¿ Não tenho medo, mas estou nervoso, porque terei que justificar a confiança de um enorme número de pessoas que contam comigo para continuar com o que é, neste país, uma tarefa difícil ¿ disse à imprensa, na Comissão Central Eleitoral, ao entregar a documentação do registro de sua candidatura.

Medvedev tampouco parece misterioso como o mentor, que foi espião na antiga Alemanha Oriental e diretor da FSB, nome atual da temida KGB.

¿ Pode ter boas intenções, mas a verdade é que conhecemos muito pouco a seu respeito. Sabe-se que é advogado, civil, não esteve nas Forças Armadas nem no serviço secreto e que, por isso, deve ter uma mentalidade diferente daqueles que o fizeram ¿ disse ao GLOBO o especialista em política russa, Dmitri Trenin.

Analistas experientes arriscam-se a dizer que ele seria mais liberal e bem mais moderado no que se refere às relações com o Ocidente. Mas preferem não se comprometer com certezas. Afinal, as convicções de Medvedev podem não ser necessariamente o que está nos seus discursos. Embora seja o nome indicado pelo partido situacionista Rússia Unida, como Putin, não é filiado a qualquer agrupamento político.

¿ Ele tem reputação de ser mais liberal. Deu mostras disso em discursos recentes, inclusive o da semana passada. Diz as coisas certas, mas não explica como planeja realizá-las. A verdade é que, até o momento, ninguém perguntou a ele.

No primeiro discurso que fez após ser confirmado candidato, Medvedev prometeu atacar a corrupção e garantir o cumprimento da lei. Disse que o país vai continuar sendo cada vez mais uma economia de mercado e que os direitos dos investidores, assim como a propriedade privada, estão garantidos. Também se mostrou aberto ao diálogo com a comunidade internacional e afirmou que a Rússia deve ser a quinta economia do mundo dentro de dez a 15 anos.

A ascensão de Medvedev foi rápida desde que Putin foi escolhido pelo ex-presidente Boris Yeltsin como seu sucessor. Passou de consultor da prefeitura de São Petersburgo ¿ a segunda maior cidade do país ¿, onde permaneceu de 1990 a 1995, a vice-chefe de gabinete no Kremlin, em 1999. Em 2000, esteve à frente da campanha eleitoral de Putin e, em 2002, assumiu o cargo de presidente da estatal Gazprom (que ocupa até hoje), maior empresa do mundo no setor de petróleo e gás. Em 2003, era chefe de gabinete do presidente e, dois anos depois, o vice-primeiro-ministro responsável pelos projetos nacionais.

Declaração de renda modesta

A população não parece ter dúvidas. Vai votar no candidato de Putin na esperança de que seu discípulo dê longa vida ao período de estabilidade econômica e à sensação cada vez mais forte de que a vida melhorou.

¿ As pessoas sabem que Putin está por trás dele. Elas querem garantir a estabilidade dos últimos anos, a explosão de consumo, a imagem da grande Rússia. Medvedev também tem uma orientação social e é isso que a população quer neste momento ¿ afirma Denis Volkov, analista do instituto Levada.

A expectativa é que, ainda que Medvedev esteja na Presidência, Putin estará por trás do trono. O atual presidente, aliás, já foi convidado pelo provável sucessor ¿ e aceitou ¿ ser o primeiro-ministro do novo governo.

¿ Ele mesmo não sabe muito sobre si próprio. Não pode dizer com certeza o que vai acontecer quando estiver na Presidência. Os russos estão dando a Medvedev o benefício da dúvida. E ele está amparado nos créditos de Putin ¿ conclui Dmitri Trenin.

Casado e pai de um filho, o gestor dos bilionários fundos da Gazprom, paradoxalmente, não tem carro próprio; consta da lista de bens da mulher um automóvel com nove anos de uso. Medvedev declarou US$71 mil anuais nos últimos quatro anos, tem poupados cerca de US$110 mil, além de dois apartamentos. Os dados constam da declaração de renda do candidato apresentada semana passada à comissão eleitoral.