Título: Protesto de alta patente
Autor: Cássia, Cristiane de
Fonte: O Globo, 28/01/2008, Rio, p. 8

Oficiais da PM fazem passeata na orla para reivindicar melhores salários.

Cenário dos mais diversos tipos de manifestação popular, a Praia de Ipanema viu ontem a primeira passeata de oficiais da Polícia Militar da história recente da cidade, em protesto por melhores salários e condições de trabalho. O sucesso foi tanto que os militares cogitam até promover uma operação-padrão às vésperas do carnaval. A possibilidade será avaliada amanhã, em uma reunião dos organizadores do protesto. A passeata, que contou com cerca de 500 pessoas e foi aplaudida por banhistas, terminou no Leblon, a poucos metros da Rua Aristides Espínola. O policiamento foi reforçado no acesso à rua porque ali mora o governador Sérgio Cabral, que completava ontem 45 anos, e os manifestantes inicialmente pensavam em terminar o protesto junto ao prédio dele.

O ato que envolveu policiais e bombeiros militares, da ativa e da reserva, e seus familiares, aconteceu em clima de polêmica. Um dos coordenadores do movimento, o coronel Paulo Ricardo Paúl, foi exonerado do cargo de corregedor interno da PM na sexta-feira para assumir a Diretoria de Ensino da Polícia Militar. O fato aconteceu dois dias depois de Paúl afirmar em seu blog na internet que o soldado mal pago é presa fácil da corrupção, ao comentar a prisão administrativa de cinco policiais suspeitos de saque a uma carga de cervejas. Apesar disso, o oficial prefere não falar em retaliação.

- Minha mudança de função é um ato do comandante-geral da PM, coronel Ubiratan Ângelo. Não posso avaliar se é retaliação ou não. No meu blog, eu não justifiquei o desvio de conduta. Não disse que quem ganha mal tem de ser corrupto. Mas, se o PM ganha muito mal e há tantas irregularidades nas ruas, sem dúvida é mais fácil ele ser corrompido. Se ele ganhasse um salário digno, quanto alguém que não paga o IPVA de seu carro precisaria para corrompê-lo? - disse Paúl durante a passeata.

Policiais são aplaudidos na praia

O comandante das Unidades Operacionais Especiais, coronel Dario Cony, outro líder do movimento, tem a mesma opinião:

- Não concordamos com desvio de conduta, mas índole não se forma na PM. Mesmo ganhando pouco, vamos estar nas ruas no carnaval, garantindo as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nas favelas. Mas, com melhores salários e condições de trabalho, estaríamos mais satisfeitos.

Os manifestantes também comentavam a resposta do secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, ao ser perguntado sobre o protesto. No sábado, Beltrame disse que os salários não eram o único item a ser julgado e chegou a considerar a passeata uma insubordinação. Ele chegou a questionar se a polícia tem merecido reajuste salarial.

- Nossa manifestação é ordeira. Quando os policiais civis colocaram nariz de palhaço e pararam o trânsito, ele não considerou insubordinação - comentou um policial que preferiu não ser identificado.

- O secretário não conhece a PM, ele veio da Polícia Federal. Em sua posição, é fácil criticar. Ele não pode exigir trabalho e produtividade com esses salários - disse o deputado federal Jair Bolsonaro.

O protesto foi pacífico. Os manifestantes estavam sem uniforme, desarmados e carregavam faixas e cartazes criticando os salários atuais dos militares. A frase "RJ - Melhor carnaval do mundo e pior salário do Brasil" estampava uma das faixas.

- Nosso objetivo é que a sociedade fluminense entenda a importância da PM. Nosso estado tem a segunda melhor arrecadação e o segundo pior salário do país. Estamos arriscando nossas vidas para defender os cidadãos, mas andamos em carros amarrados com arame e com pneus carecas - disse o coronel Paúl.

Polêmicas à parte, a manifestação chamou a atenção de quem passava ontem de manhã pela praia. O grupo, que tinha à frente quatro policiais da reserva em cadeiras de rodas, saiu do Posto 10, em Ipanema, às 11h. Acompanhados de músicos da banda da PM, que tocavam hinos e músicas populares, os manifestantes seguiram até o Posto 12, no Leblon, numa caminhada de pouco mais de uma hora.

Passeata iria até a rua de Cabral

Na altura do Posto 11, o grupo foi aplaudido por banhistas.

- O protesto é muito bacana. Eles precisam ganhar bem, têm uma vida de riscos - estimulava o despachante aduaneiro Carlos Hausen.

Mesmo quem comentava sobre os problemas de corrupção considerava a manifestação justa.

- Eles não estão falando da corrupção, mas, de qualquer forma, é justo pedirem aumento salarial. Não está certo eles ganharem menos que os policiais civis - disse o comerciante Mário Baruffato.

Os manifestantes pretendiam terminar o protesto entrando na Rua Aristides Espínola, onde mora Cabral, mas desistiram na última hora. Houve até mesmo um racha entre os manifestantes, já que alguns pretendiam seguir em frente. Mas, segundo os coordenadores do movimento, um pedido do coronel Ubiratan fez com que o trajeto fosse modificado.

O acesso à rua teve policiamento reforçado. Cerca de 15 policiais do 23º BPM (Leblon) em três carros, dois quadriciclos e uma moto estavam na esquina com a Avenida Delfim Moreira. Todos deixaram o local no início da tarde, após o grupo se dispersar.

Amanhã à noite, o grupo se reúne na Associação de Oficiais Militares do estado, antigo Clube de Oficiais da PM, no Centro. Eles vão discutir os rumos do movimento e a possibilidade de uma operação-padrão. Eles também vão avaliar as declarações de Beltrame sobre a manifestação.

Na avaliação do coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, o protesto dos policiais não caracteriza insubordinação. Ele considera a reivindicação legítima e a diferença salarial com a Polícia Civil, uma distorção.

- A insubordinação acontece quando o policial se nega a cumprir ordem de trabalho como protesto. A manifestação é legítima, desde que seja ordeira e não atrapalhe o serviço. É um insulto a separação salarial entre policiais - avaliou José Vicente.

Em relação a uma possível operação-padrão dos militares, o ex-secretário explicou que os PMs sabem que devem respeitar e cumprir a lei:

- Se o protesto for feito dentro da ordem e da lei, não vejo problema. A população espera que a polícia continue trabalhando e que cumpra a lei. Se a manifestação não prejudicar isso, ela também não pode ser considerada uma insubordinação.

COLABOROU Fábio Vasconcellos