Título: Limites da reforma da Previdência
Autor: Caetano, Marcelo Abi-Ramia
Fonte: O Globo, 29/01/2008, Opinião, p. 7

Nos últimos dez anos, o Brasil passou por duas emendas constitucionais que alteraram as regras previdenciárias, assim como a aprovação da lei do fator previdenciário em 1999. Sem dúvida, foram reformas importantes. Reduziram o ritmo de crescimento da despesa previdenciária, entretanto a mantiveram em patamar alto e crescente. O pagamento total com benefícios previdenciários para o Regime Geral de Previdência Social saltou de 5,5% do PIB em 1998 para 7,1% em 2006. Dados preliminares indicam que, em 2007, esse número cresceu para 7,3%. Isso mostra que as reformas foram insuficientes e que, em um momento futuro, novas alterações se farão necessárias.

Em 2006 e 2007, o governo adotou um conjunto de medidas administrativas relevantes para redução da despesa previdenciária, mas que não atacam a raiz do problema que é o conjunto de regras previdenciárias referentes às normas de concessão de benefícios, sua fórmula de cálculo e regras de indexação. Quase todas essas alterações exigem reforma constitucional, algo bastante difícil de se aprovar em um ano de eleições municipais e com as dificuldades de negociação de itens menos polêmicos como a CPMF vividas no ano passado.

As reformas administrativas têm tramitação legislativa mais simples ou mesmo inexistente, contam com apoio popular porque reduzem despesa com correção de distorções vistas como incorretas pela população em geral.

A unificação da Secretaria da Receita Federal com a Secretaria da Receita Previdenciária e a conseqüente criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil foram acompanhadas de expressivo aumento da arrecadação previdenciária. De fato, em 2007 a arrecadação previdenciária cresceu 9,1% em termos reais. Países do Leste da Europa que também passaram por unificação de suas receitas observaram expressivo aumento de arrecadação. Há razões para isso relacionadas à maior eficiência e eficácia dos recolhimentos tributários. As empresas ao saberem que são auditadas por um único fiscal ajustam seus impostos e contribuições previdenciárias, e não somente um deles. Sistemas de informática unificados permitem realização mais eficiente de críticas. Apesar de ser difícil separar o quanto do aumento da arrecadação se deveu à unificação das receitas ou ao maior dinamismo da economia e do mercado de trabalho, é praticamente consenso que a unificação surtiu efeitos.

O recenseamento cessou 0,5% do estoque de benefícios e permitiu economia anual de R$459 milhões. É certo que o montante pode não ser muito expressivo para uma despesa total de R$185 bilhões por ano, mas de todo modo é um resultado a se comemorar. Em primeiro lugar porque uma economia anual de centenas de milhões de reais nunca é desprezível. Em segundo lugar porque mostrou que a folha de pagamentos do INSS não é o mar de lama e desorganização como alguns pensavam.

Novas normas na concessão de auxílio-doença e a contratação de pessoal próprio para a realização das perícias médicas permitiram redução expressiva do contingente de beneficiários dessa modalidade de benefício. A redução do total de benefícios emitidos em 2007 foi de 12%. Comparados aos aumentos de mais de 20% ao ano observados no início desta década, as medidas se mostraram realmente eficazes.

O projeto de lei de criação de previdência complementar dos funcionários públicos, apesar de ser uma modificação estrutural, e não administrativa, e de necessitar de aprovação de lei ordinária é outra iniciativa importante da administração federal ao harmonizar as previdências dos trabalhadores do setor público e da iniciativa privada. O fato de retirar da responsabilidade do orçamento público o pagamento das aposentadorias e pensões acima do teto do RGPS é outra medida de justiça social.

Avanços ainda podem se realizar com a securitização da dívida do INSS e com os leilões de sua folha de pagamentos, ao se ter em vista que não faz muito sentido o governo pagar aos bancos para ter aposentados e pensionistas como seus correntistas. Como são clientes que recebem quantia certa por mês e dão ao sistema financeiro a possibilidade de geração de lucros tanto pelas aplicações financeiras que fazem como pelos empréstimos que realizam, os bancos que devem pagar ao INSS para ter como clientes aposentados e pensionistas, e não o contrário, como acontece hoje.

Todas essas medidas são necessárias e corretas, mas em nada atacam a essência do problema que são as regras previdenciárias fora dos padrões internacionais. Por essa razão é que, mesmo com todas as alterações citadas, a despesa do RGPS em 2007 cresceu 7,4% em termos reais, o que aumentará a participação desses gastos no PIB. Daí, restam poucas alternativas para o ajuste de contas. Das duas uma: ou se aumentam os impostos, ou se reduzem as despesas em outras áreas como saúde, educação, segurança e infra-estrutura.