Título: Comissão de Ética evita conflito com Ministério
Autor: Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 29/01/2008, O País, p. 8

Colegiado abranda tom com Lupi e suspeita de gastos com cartão corporativo de Matilde Ribeiro, mas envia caso para CGU

BRASÍLIA. Mais de um mês depois de ter sugerido a demissão do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, a Comissão de Ética Pública, vinculada à Presidência da República, reuniu-se ontem, baixou o tom e decidiu evitar cobranças sobre a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Também não quis comprar uma nova briga: vai encaminhar à Controladoria Geral da União (CGU) a denúncia de que Matilde Ribeiro (Igualdade Racial) usou o cartão corporativo para pagar despesas pessoais. O presidente interino da comissão, Marcílio Marques Moreira, admite que os gastos da ministra podem significar crime.

- Pode haver ou não implicações legais - disse Marcílio quando perguntado se pode ter havido crime no uso do cartão corporativo.

A ministra gastou no ano passado R$171.556,09 no cartão corporativo, segundo dados do Portal Transparência, mantido pelo governo federal. No dia 29 de outubro, Matilde gastou R$461,16 no Duty Free Brasil, free-shop dos aeroportos brasileiros. A ministra disse que foi um engano e devolveu o dinheiro depois que o gasto se tornou público. Para a Comissão, o caso extrapola a sua competência.

- Chegamos à conclusão preliminar que o assunto, ao menos em primeira instância, deve ser examinado pela CGU, pelas implicações potenciais que pode ter. Se a CGU achar que não há implicação legal nenhuma, retorna à comissão e poderemos ver eventuais desvios éticos - disse Marcílio.

Marcílio diz que CGU e TCU têm mais poderes

Segundo ele, a comissão não tem o poder investigativo da CGU ou do Tribunal de Contas da União (TCU), que podem contar inclusive com os trabalhos da Polícia Federal. Pressionado, Marcílio disse que usar dinheiro público em benefício próprio é antiético, mas ressaltou que a ministra disse ter devolvido o dinheiro aos cofres públicos.

- Esse é um dos problemas das comissões, temos de nos basear no que as pessoas dizem. Vamos encaminhar o caso à CGU, pois não está sob nossa jurisdição - afirmou.

Por meio de nota, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial disse entender que não houve desvio ético por parte da ministra Matilde e que em nenhum momento a Comissão de Ética informa que houve qualquer desvio de conduta no caso do uso dos cartões. "É correto o envio da questão para outro órgão competente, para que quaisquer dúvidas possam ser dirimidas. Acreditamos que a Comissão de Ética se pauta pelo estrito cumprimento de suas funções e de sua missão institucional, assim sendo, se algum desvio ético fosse cometido pela ministra Matilde Ribeiro a comissão teria se pronunciado de pronto, fato este que não verificamos".

Caso Lupi se arrasta desde 26 de dezembro

Desde o dia 26 de dezembro está sobre a mesa de Lula o ofício da comissão sugerindo a demissão de Lupi por acumular os cargos de ministro e presidente do PDT. Para a comissão, o exercício simultâneo das duas funções fere o Código de Ética da Alta Administração Federal, por gerar conflito de interesses. Para Marcílio, a demora do presidente em decidir sobre a situação de Lupi não desautoriza a Comissão. No mês passado, ele disse que, se Lula não acatasse a sugestão, a comissão teria sua função esvaziada.

- Não desautoriza. Está dentro de um tempo razoável. Estamos dando um tempo, tivemos Natal, Ano Novo, carnaval e logo depois virá decisão. Sabemos que o presidente tem dado bastante atenção - disse, acrescentando que o ofício foi encaminhado "numa época ingrata".

Lula aguarda que a Advocacia Geral da União (AGU), à qual Lupi recorreu para se manter nos dois cargos, conclua um parecer sobre a cumulatividade das funções.

- O assunto não está mais nas nossas mãos. Agora é esperar. O fato maior é que solicitamos que deixe uma coisa ou outra - disse Marcílio. - Estamos esperando uma decisão, que se inspire na ética da administração pública.

A comissão analisou ainda denúncias contra ex-diretores da Agência Nacional da Avião Civil (Anac), que teriam recebido benefícios de empresas aéreas, as mesmas que fiscalizavam. Denise Abreu ganhou mais prazo para encaminhar informações da Anac sobre o uso de passe livre nas companhias aéreas. Milton Zuanazzi, Leur Lomanto e Josef Barat serão informados nesta semana sobre a decisão da comissão. Segundo fontes da comissão, eles devem ser punidos com censura ética.