Título: Mercado futuro da farra
Autor: Brito, Ricardo; Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 25/04/2009, Política, p. 2

Assessor é flagrado usando cota de deputado na compra de passagens que serão usadas em julho. Parlamentares podem estar no esquema. O escândalo das passagens aéreas de parlamentares provou mais um desgaste dentro do Congresso Nacional O deputado Nazareno Fonteles (PT-PI) demitiu na última quinta-feira um servidor investigado pela Comissão de Sindicância da Câmara por ceder, sem o consentimento do parlamentar, parte de sua cota de passagens para uma agência de viagem. Até aí, nada diferente da farra que, há duas semanas, abateu em voo a Câmara e o Senado. O curioso é que o servidor trabalhava num ¿mercado futuro¿ de passagens de Fonteles. O deputado descobriu que seu assessor, em conluio com um amigo de uma agência, emitiu para os próximos três meses mais de 10 bilhetes para variados destinos brasileiros. Na cota do deputado do Piauí, já tinha passagem comprada para uma viagem em 16 de julho no trecho Brasília-Porto Alegre.

Durante todo o dia de ontem, a assessoria do deputado tentava cancelar nos guichês das companhias aéreas os bilhetes emitidos pelo servidor exonerado. ¿É uma coisa estarrecedora para mim e para toda a minha equipe¿, afirmou Fonteles. A Comissão de Sindicância investiga 12 gabinetes por suspeita de irregularidades na compra de passagens, segundo revelou a coluna Brasília-DF. A própria comissão e o Ministério Público Federal não descartam o envolvimento de deputados no esquema.

O gabinete do deputado Vieira da Cunha (PDT-RS) é um dos que estão sob o crivo da comissão de sindicância. O servidor Francisco da Chagas Aben-Athar Vieira está sendo investigado por supostamente vender bilhetes emitidos com a cota do deputado e até adquirir trechos de outros gabinetes. Segundo as investigações, Francisco transformava as cotas em passagens e vendia a interessados com um deságio de 30% dos preços das companhias aéreas.

As suspeitas levaram Vieira da Cunha a suspender Francisco Chagas da função de controlador de bilhetes na última quarta-feira. ¿Resolvi afastá-lo porque das 12 viagens ao exterior emitidas pela minha cota eu só reconheci quatro. Perguntei ao Francisco o que houve e ele não me convenceu em suas justificativas. Vou mantê-lo fora dessa atividade. Se ficar comprovado que ele realmente negociava essas passagens, irei exonerá-lo¿, contou Vieira da Cunha.

Entre as passagens não reconhecidas pelo deputado que foram emitidas pelo servidor está uma em nome da esposa de Vieira da Cunha. O parlamentar diz que a viagem não foi realizada e pediu à Presidência da Câmara a investigação do caso.

O escândalo pode respingar nos parlamentares. Há suspeita de que o esquema de venda de passagens do gabinete do deputado Aníbal Gomes (PMDB-CE) seja mais amplo. O deputado Vadão Gomes (PP-SP) admitiu que cedia suas cotas ao colega e que era ressarcido pelo uso. Uma dessas cotas de Vadão teria sido usada por uma agência de turismo para vender bilhete de São Paulo a Paris a um terceiro. A venda teria sido intermediada por Ana Pérsia, funcionária do gabinete de Aníbal Gomes, responsável pela emissão das passagens. Os bilhetes eram utilizados pela agência de turismo Infinite, de Marcos Bessa, irmão de Ana.

O Correio tentou, sem sucesso, localizar Aníbal Gomes. Ele já disse que não autorizou as emissões e creditou à ação à sua assessora. Ele reconheceu a irregularidade. O corregedor da Câmara, ACM Neto (DEM-BA), disse que se ficar comprovado que qualquer parlamentar ou servidor comercializou passagens a punição deve ser dura. ¿Se isso ficar comprovado, os deputados envolvidos devem ser cassados e os servidores demitidos¿, ressaltou o deputado baiano, que conversou com o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), sobre o assunto.

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Entenda o esquema de desvio de bilhetes

O parlamentar tem direito a usar por mês de R$ 3.760 a R$ 14.960 em passagens aéreas. O valor varia de acordo com o estado. Se não forem utilizadas, a quantia é acumulada para o mês seguinte. É nessas ¿sobras¿ em que o esquema de desvio nos bilhetes aéreos atua

O uso da sobra da Câmara Com ou sem consentimento do deputado, o assessor responsável pela emissão das passagens aéreas do parlamentar repassa a ¿sobra¿ do mês dele para uma agência de viagem. A agência acaba acumulando os créditos da Câmara e os converte em passagens

O comprador de fora O fulano compra um bilhete aéreo numa agência de viagem. Paga, por exemplo, R$ 1 mil para ir e voltar a Fortaleza na ¿agência A¿. Sem saber, fulano acaba comprando o bilhete da Câmara. Em vez de pagar a companhia aérea pelo bilhete do fulano para Fortaleza, a ¿agência A¿ utiliza os créditos cedidos pela Câmara

A partilha Os R$ 1 mil pagos pelo fulano para viajar a Fortaleza acabam sendo repartidos entre representantes da ¿agência A¿ e o assessor parlamentar que cedeu os créditos do deputado. Há suspeita de que parlamentares também embolsaram os lucros