Título: Capitais em rumos opostos
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 29/01/2008, Economia, p. 23

AMEAÇA GLOBAL

Entrada de investimento produtivo no país é recorde, mas crise provoca saída financeira.

OBrasil registrou recorde de investimento estrangeiro direto (IED), com saldo de US$34,616 bilhões no ano passado - o maior da série histórica, iniciada em 1947 -, e entrou janeiro somando US$4 bilhões até ontem, segundo o Banco Central (BC). Apesar do resultado favorável no setor produtivo, a turbulência no mercado financeiro está provocando a fuga de aplicações em bolsa, títulos e fundos do país, já que os investidores financeiros continuam se desfazendo de suas posições no país. Pela conta financeira do fluxo cambial (movimentação de entrada e saída de moeda estrangeira), na qual estão contabilizadas as aplicações em ações e títulos públicos, o saldo estava negativo em US$4,844 bilhões no encerramento da semana passada, com compras de US$26,803 bilhões e vendas de US$31,648 bilhões.

O IED de US$34,616 bilhões em 2007 é 84,3% superior aos US$18,7 bilhões de 2006. O número de janeiro, também inédito, indica que o mês fechará em US$4,5 bilhões, praticamente o dobro do resultado de janeiro passado (US$2,422 bilhões).

Segundo o chefe do Departamento Econômico da instituição, Altamir Lopes, a redução da liquidez internacional não está afetando a capacidade de os brasileiros se financiarem lá fora. As taxas de rolagem de dívidas se mantêm em patamar bastante positivo. Isso indica que, além de estarem conseguindo rolar seus passivos, empresas e investidores estão captando novos recursos. Em 2007, essa taxa fechou a 103% e, em janeiro, está em 281% (até ontem).

- Tudo isso mostra confiança nos fundamentos do país - disse Lopes.

Dos US$4 bilhões que entraram até ontem no país tendo o setor produtivo como destino, US$700 milhões equivalem à compra de parte do capital da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) pela Bolsa de Chicago. O restante, acrescentou Lopes, está pulverizado. Para o ano, o BC projeta saldo positivo de US$28 bilhões.

Os investimentos brasileiros diretos no exterior também começaram o ano fortes. Após somarem US$7,031 bilhões em 2007, acumulam US$2,78 bilhões até o dia 28.

Lopes admitiu que o país vive hoje um cenário de perda de capital de curto prazo. Mas nem por isso vê aceso o sinal amarelo, apenas o reflexo de um momento turbulento. Especialistas do mercado também não enxergam grandes problemas.

Até ontem, segundo o BC, as saídas líquidas só de investimentos em carteira (ações e renda fixa) estavam em US$1,8 bilhão. Em dezembro, essa conta ficou positiva em US$7,169 bilhões. Para Lopes, neste momento de muita turbulência, "é de se esperar saídas de curto prazo".

- Sob o ponto de vista das contas externas, a situação do Brasil é boa - resumiu o economista-chefe do banco Schahin, Sílvio Campos Neto.

Remessas de lucros chegam a US$ 21 bi

No ano passado, o saldo das transações correntes - parte do balanço de pagamentos que contabiliza operações de serviços e comerciais, como comércio, remessas, viagens, transferências e desembolso com juros - ficou positivo em US$3,55 bilhões, acima da expectativa do BC de US$2,4 bilhões, mas 74% menor do que 2006 (de US$13,621 bilhões). Para 2008, a autoridade monetária manteve a projeção de que seja registrado déficit de US$3,5 bilhões.

Em 2007, o resultado positivo decorreu sobretudo da balança comercial, que registrou saldo de US$40,040 bilhões. Mas a economia aquecida tem fortalecido as importações e afetado o saldo total. Para este ano, o BC projeta superávit menor, de US$30 bilhões.

As transações também se beneficiaram do pagamento menor com juros da dívida. Em 2007, foram de US$7,122 bilhões, US$4,2 bilhões menos que no ano anterior, e o melhor patamar desde 1994. A dívida externa encerrou 2007 a US$197,697 bilhões.

Do lado negativo, vieram as remessas de lucros e dividendos, com saídas líquidas de US$21,236 bilhões, 30% mais que no ano anterior. Mas especialistas argumentam que se trata de uma boa notícia, porque reflete o aumento dos ganhos das empresas.

Conjugando os resultados financeiro (negativo em US$4,844 bilhões) e comercial, até o último dia 24, o fluxo cambial do Brasil tinha saldo negativo de US$1,648 bilhão. O saldo no comércio exterior estava positivo em US$3,197 bilhões, com exportações em US$11,716 bilhões e importações de US$8,519 bilhões. Para especialistas, a perda de capitais financeiros deve permanecer a curto prazo, mas o quadro geral é bom.

- Os números (do fluxo) estão surpreendendo positivamente. Ainda haverá mais saídas, mas nada grave - afirmou a diretora de câmbio da corretora AGK, Míriam Tavares.

O fluxo cambial deverá fechar janeiro negativo. Nas projeções da corretora AGK, o déficit será de cerca de US$1,5 bilhão. Se isso ocorrer, será a primeira vez que um mês ficará no vermelho desde setembro passado, quando o déficit foi de US$3 milhões.

Na semana passada, quando os mercados internacionais pioraram, os analistas das cem principais instituições financeiras do país ampliaram as previsões de saída de recursos do Brasil. Segundo levantamento realizado pelo BC, a expectativa é que a conta corrente feche 2008 com saídas de US$6 bilhões, contra previsão na semana anterior de déficit de US$5 bilhões. Também pesam na expectativa as estimativas de aumento das importações e conseqüente redução do saldo comercial.

Após registrar um superávit de apenas US$1 milhão na terceira semana de janeiro, a balança comercial reagiu e registrou um saldo positivo de US$352 milhões entre os dias 21 e 25, resultado de US$3,284 bilhões em exportações e US$2,932 bilhões em importações.

COLABORARAM Henrique Gomes Batista e Eliane Oliveira