Título: UE suspende importações de carne do Brasil
Autor: Oliveira, Eliane; Franco, Ilimar
Fonte: O Globo, 31/01/2008, Economia, p. 25

Medida vale para produto bovino "in natura". Governo classifica decisão de desnecessária, desproporcional e injustificada

BRASÍLIA e RIO. A agropecuária brasileira sofreu ontem um duro golpe com o anúncio, pela União Européia (UE), da suspensão das importações de carne bovina in natura do Brasil por tempo indeterminado. Os europeus não aceitaram a lista de propriedades habilitadas pelo governo brasileiro a exportar para a região a partir de 1º de fevereiro e, por isso, decidiram aplicar o embargo. A medida foi classificada pelo Ministério da Agricultura como "injustificável e arbitrária". Para os produtores, a restrição deverá causar prejuízos da ordem de US$80 milhões a US$90 milhões por mês.

"O governo brasileiro mantém sua posição de que a medida é desnecessária, desproporcional e injustificada, à luz dos problemas identificados no sistema de rastreabilidade e da comprovada ausência de risco à saúde humana e animal", diz o comunicado do Ministério da Agricultura divulgado ontem.

A suspensão deve durar, no mínimo, 60 dias, segundo estimativa do presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne Bovina (Abiec), Marcus Vinícius Pratini de Moraes. Para ele, a decisão é "uma brutal agressão à pecuária brasileira".

- Ou eles (europeus) agiram de má-fé ou por absoluta desinformação - afirmou Pratini, que foi ministro da Agricultura durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

Segundo o presidente da Abiec, o Ministério da Agricultura credenciou 2.700 propriedades aptas a vender para o mercado europeu a partir de 1º de fevereiro. Os europeus, porém, não aceitaram e exigiram uma lista de apenas 300 propriedades.

- Exigir 300 propriedades é uma proposta inaceitável. Como podem querer interferir na gestão brasileira? Nós não somos colônia deles - reagiu, indignado, Pratini.

Preços do produto devem cair no mercado interno

Para a Abiec, a curto prazo, o preço da carne bovina deve cair no mercado interno, dada a sobra da produção que não vai mais para a UE. Com a indefinição dos europeus, que só acabou ontem com o anúncio do embargo, as compras de animais para abate pelos frigoríficos já estavam paralisadas nos últimos dias. Segundo a entidade, ainda é cedo para avaliar o que acontecerá no mercado internacional.

A notícia foi recebida com consternação pelo governo brasileiro. O Ministério da Agricultura fez uma reunião de emergência com representantes dos produtores, secretários de Agricultura de estados exportadores e integrantes da área diplomática. O encontro durou praticamente todo o dia. Mais tarde, ao GLOBO, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, fez um desabafo:

- Na última missão européia ao Brasil, eles deixaram claro que não havia qualquer problema sanitário com o gado brasileiro. A única questão levantada era burocrática, relativa à rastreabilidade. No momento em que eles estabelecem que só poderão comprar carne de 300 fazendas, sendo que nós temos no Brasil 2.700 que estão em ordem, isso revela que há problema comercial no meio.

A falta de confiança da UE na lista de 2.700 propriedades apresentadas pelo governo brasileiro é apenas uma mostra da força dos produtores europeus sobre a Comissão Européia. A pressão, principalmente de pecuaristas irlandeses, ajudou na tomada de decisão das autoridades sanitárias do bloco europeu.

Técnicos do Ministério da Agricultura afirmaram que a suspensão deve durar, no mínimo, até o próximo dia 25, quando uma missão européia virá ao Brasil para analisar a questão. O governo brasileiro, porém, está disposto a se antecipar. Por isso, os serviços veterinários federal e estaduais entregarão à Comissão Européia, até 15 de fevereiro, os relatórios de auditoria das fazendas.

"Houve vacilo", reconhecem fontes do Itamaraty

No ano passado, o Brasil exportou US$1,4 bilhão de carne bovina para a União Européia, dos quais US$1 bilhão somente em carne in natura. O bloco europeu ficou em primeiro lugar na lista de mercados de destino. Em termos de receita, a UE esteve à frente da Rússia, que comprou US$1 bilhão do Brasil.

Na nota distribuída pelo governo brasileiro, o Ministério da Agricultura pede transparência à UE e previsibilidade quanto às próximas etapas para o retorno à normalidade do relacionamento comercial no setor de carnes bovina in natura. Os critérios a serem adotados pelo bloco europeu para a seleção das propriedades ainda não foram definidos, segundo o comunicado.

- Trata-se de um equívoco lamentável e um desestímulo para quem está produzindo tão bem - lamentou o presidente da Sociedade Nacional de Agricultura, Octávio Mello Alvarenga.

Fontes do Itamaraty afirmaram que os europeus exageraram na medida. Mas reconheceram que "houve vacilo" dos produtores e do próprio Ministério da Agricultura, uma vez que a UE já havia avisado, com bastante antecedência, que passaria a exigir normas mais rígidas nas importações de carnes a partir de fevereiro de 2008, em razão de doenças encontradas nos animais da região, como a vaca louca e a febre aftosa.

Em dia de alta da Bolsa, ações de empresas caem

O Ministério da Agricultura, diante do receio de não conseguir cumprir o prazo, delegou a missão aos governos estaduais. A escolha de fazendas, obviamente, gerou pressões políticas sobre as autoridades locais, o que ajudou na demora.

No dia em que a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) encerrou em alta de 1,28%, as ações de empresas do setor recuaram. Os papéis do grupo JBS, dono das marcas Friboi e Swift, caíram 0,84% ontem, os do Minerva, 0,12%, e os do Marfrig, 0,83%.