Título: Os Barbonos de molho
Autor: Cássia, Cristiane de; Araújo, Vera
Fonte: O Globo, 01/02/2008, Rio, p. 12

Oficiais voltam atrás, desistem de exigir saída de secretário e pedem negociações

Depois de escreverem mensagens em blogs, fazerem passeata na praia e solicitarem exoneração em massa, os oficiais da PM que integram o Grupo dos Barbonos baixaram o tom de seu discurso. Eles ameaçavam entregar ao governador Sérgio Cabral uma carta pedindo o afastamento do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. Os oficiais ficaram indignados com suas declarações sobre a credibilidade da PM e com a exoneração do coronel Ubiratan Ângelo do comando da instituição. O grupo, porém, voltou atrás e solicitou apenas a reabertura das negociações salariais no documento que foi entregue ao subsecretário de Governo, Rodrigo Bethlem. O nome Barbonos é uma referência aos oficiais que trabalhavam na unidade localizada na rua do mesmo nome, que atualmente é o Quartel-General da PM. A rua hoje se chama Evaristo da Veiga. Barbonos (barbudos) também é uma denominação dos frades franciscanos (capuchinhos), que tinham um convento na mesma rua.

- Beltrame continua sendo considerado persona non grata, mas o foco de nossas atenções agora são os salários - disse o presidente da Associação de Oficiais Militares do Estado (AME/RJ), tenente-coronel Dilson Anaide.

Ontem, o secretário de Segurança afirmou que as negociações salariais nunca foram interrompidas. O Grupo dos Barbonos alega que, embora a reivindicação dos oficiais só tenha chamado a atenção da população depois da manifestação na orla do Leblon, domingo, eles estão tentando uma negociação desde que o governador Sérgio Cabral assumiu. Em agosto, 44 dos 68 coronéis da PM assinaram uma carta criticando o anúncio do reajuste de 25% em 24 parcelas. O governo voltou atrás e concedeu reajuste único de 4%.

Coronel Paúl diz que Pitta o enganou

Em discurso ontem à noite para cerca de 200 pessoas, na AME, o líder dos Barbonos e ex-corregedor interno, coronel Paulo Ricardo Paúl, insinuou que o novo comandante da PM, Gilson Pitta, traiu os colegas.

- David (o chefe do Estado-Maior, coronel Antônio Carlos Suarez David), você e o Pitta assinaram documentos garantindo que não assumiriam o comando da corporação, caso o coronel Ubiratan Ângelo caísse. O Pitta enganou a todos. Você, não - disse, em tom irônico.

O ex-corregedor disse que o advogado da associação estuda entrar com ação na Justiça contra Beltrame, por causa de declarações dele questionando a credibilidade dos PMs para reivindicar aumento de salário.

- A nobreza de um homem público está em reconhecer seus erros - disse Paúl, acrescentando que o secretário poderá escapar da ação se fizer uma retratação pública, mas continuará sendo persona non grata.

Em seu blog, Paúl dá a entender que o novo comandante-geral e seu chefe de Estado-Maior também são responsáveis pela insegurança na cidade, pois ambos já ocupavam postos estratégicos na PM: um era chefe do serviço de inteligência e o outro, comandante do Policiamento da Capital.

Paúl informou que, anteontem, quando houve a troca de comando, a pressão de Ubiratan Ângelo subiu, obrigando-o a procurar o Hospital da Polícia Militar (HPM). O próprio ex-corregedor e outro integrante dos Barbonos ficaram internados no HPM.

- Estava há dois dias sem dormir e a minha pressão subiu. O coração do outro barbono também não agüentou - contou Paúl.

Depois de postar em seu blog, Paúl se dirigiu para a reunião. Ele chegou por volta das 19h e se encontrou com mais seis coronéis Barbonos; o presidente da AME, Dilson Anaide; e o deputado Paulo Ramos. Há quase 30 anos, o parlamentar foi um dos que participaram de um movimento de tenentes por melhores salários, durante o governo Chagas Freitas.

Segundo Paúl, há muita coisa ainda a ser revelada. Ele disse que teme pela sua vida e pela de seus parentes. Hoje, o oficial procurará o Ministério Público para registrar que qualquer coisa que venha a lhe acontecer será culpa do estado.

- A minha vida está nas mãos do estado - disse.

Preocupado, ele está andando com seguranças e providenciando um local seguro para manter a família.

Os pedidos de exoneração feitos anteontem por cerca de 45 oficiais continuam mantidos. Hoje, das 5h às 12h, será realizada uma manifestação na Praia de Copacabana. Os participantes fincarão 20 cruzes na areia, representando os 586 PMs assassinados no período de 2004 a 2007. Em cima das cruzes, serão colocados quepes dos soldados.

O coronel Ubiratan Ângelo foi exonerado do cargo de comandante-geral na terça-feira passada, dois dias após uma passeata realizada por oficiais da PM que reivindicam melhores salários. O protesto por pouco não chegou até a porta do prédio onde mora Cabral, no Leblon. O ato foi considerado uma afronta pelo governador e por Beltrame. A crise se agravou com as declarações feitas por coronéis e outros oficiais em blogs. Além de Ubiratan, o governo decidiu exonerar os líderes do protesto (os oito coronéis do Grupo dos Barbonos) e outros oficiais que estiveram na passeata. O coronel Gilson Pitta, um ex-integrante dos Barbonos, assumiu o posto anteontem, numa cerimônia feita às pressas e a portas fechadas. Pela primeira vez na história da Polícia Militar, uma troca de comando aconteceu sem a presença da tropa.