Título: Garrote na farra do crédito
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 01/02/2008, Economia, p. 23

Para conter inflação, BC pode subir juros e cria compulsório para enxugar R$40 bi.

OBanco Central (BC) deixou claro ontem que não vai medir esforços para controlar a inflação, em alta consistente nos últimos meses. Para isso, poderá até subir os juros. O recado foi dado na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem. Naquele encontro, o BC decidiu manter os juros em 11,25%. Desde maio de 2005, o Copom não sobe as taxas. Porém, abertamente preocupado com os índices de preços e disposto a frear o consumo, o BC resolveu agir logo e criou um novo compulsório de até 25% sobre depósitos que as empresas de leasing mantêm nos bancos. Com isso, até R$40 bilhões devem ser "enxugados" do mercado, reduzindo a quantidade de dinheiro disponível no sistema financeiro para empréstimos.

Segundo especialistas, o cenário interno é a grande preocupação do BC neste momento devido ao forte aquecimento da economia e ao temor de novas pressões sobre os preços. Por enquanto, prevalecem as projeções de que a Selic não será alterada ao longo do ano. Mas cresceram, e muito, as chances de haver aumentos - já em março e abril.

- O BC se mostrou preocupado com o cenário de riscos internos. E, se isso continuar, vai subir os juros, sim. Não é hoje, mas pode acontecer - avaliou, antes do anúncio do novo compulsório, o economista-chefe para América Latina do ABN Amro, Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC, que ainda aposta na manutenção da Selic ao longo de 2008.

Projeções do IPCA estão perto da meta

O recado na ata foi bastante direto: "Mesmo considerando que, no momento, a manutenção da taxa básica de juros é a decisão mais adequada, o Comitê reitera que está pronto para adotar uma postura diferente, por meio do ajuste dos instrumentos de política monetária, caso venha a se consolidar um cenário de divergência entre a inflação projetada e a trajetória das metas".

A preocupação central é com o ritmo intenso do crescimento doméstico, impulsionado tanto pela renda quanto pelo crédito - 4,5% este ano, segundo o BC. Além disso, a instituição mantém a avaliação de que o uso da capacidade instalada continua elevado, podendo desequilibrar oferta e demanda. Ambas as questões podem se traduzir em pressão inflacionária adicional. As projeções do mercado, citadas no documento, já oscilam bem próximas ao centro da meta de inflação deste ano, de 4,5% pelo IPCA.

Diante desse quadro, o BC decidiu criar um compulsório, que chegará a 25% até janeiro de 2009, sobre os depósitos das empresas de leasing. Esses recursos, que somavam R$160 bilhões em novembro, são aqueles que não foram efetivamente usados para os empréstimos, tendo sido aplicados em bancos para render juros. As instituições financeiras, por sua vez, podem usar esse capital para oferecer empréstimos a seus clientes.

Ao todo, poderão ser retirados cerca de R$40 bilhões do mercado, considerando que todo o volume é efetivamente emprestado - o que significa 8% do crédito livre no país. Os custos dos empréstimos também podem subir. Isso porque, com o compulsório, o dinheiro retido será remunerado pelos títulos públicos, que normalmente rendem menos do que os juros das operações de crédito.

Em nota, o BC apenas informou que a medida "confere maior eficácia à política monetária ao eliminar tratamento assimétrico com relação aos passivos do sistema financeiro", referindo-se às demais alternativas de captação sobre as quais já incidem compulsórios.

- Os níveis de compulsórios no Brasil são absurdamente elevados. Em outras economias, isso não ocorre - disse o economista-chefe do WestLB no Brasil, Roberto Padovani, surpreso com a decisão do BC.

O economista-chefe do banco Schahin, Sílvio Campos Neto, avaliou que a pressão sobre os preços deve diminuir a partir do segundo semestre. A inflação dos alimentos, que tem puxado os indicadores nos último meses, seria um movimento isolado. Mas ele ressaltou que é fundamental continuar acompanhando os índices.

Sobre o cenário externo - o temor de recessão nos EUA - o Copom disse haver incertezas, mas lembrou que o BC americano já tomou medidas de política monetária.

- De fato, o BC está mais preocupado com o crescimento da demanda interna e os impactos nas expectativas de inflação - resumiu o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa.