Título: Lula lamenta saída de Matilde, e reafirma confiança na ex-ministra
Autor: Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 02/02/2008, O País, p. 4

GASTOS SEM CONTROLE: Audiência no Planalto teve clima de consternação.

Em carta, presidente diz que companheira é referência na luta contra o racismo.

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve dificuldades para demitir a companheira Matilde Ribeiro, uma militante petista há 20 anos, chegando a lamentar sua saída do governo. O clima no gabinete do presidente, no terceiro andar do Palácio do Planalto, foi de consternação. A ex-ministra chorou durante a audiência de 30 minutos, no início da tarde de ontem. Parte do encontro foi acompanhada pelo ministro Franklin Martins (Comunicação Social) e pelo chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho. Depois, os dois ficaram a sós.

Em carta a Matilde, Lula disse ter recebido com pesar seu pedido de demissão da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Afirmou que "por entender as razões políticas do gesto", aceitou o pedido, mas disse manter "intactos o apreço e a confiança" na ex-ministra.

"E estou seguro de que a companheira, por quem mantenho intactos o apreço e a confiança, continuará a ser uma das principais referências para todos aqueles que lutam contra o racismo, o preconceito e a exclusão social em nosso país", disse Lula, na carta.

O presidente agradeceu a "firmeza e serenidade" com que a ex-ministra conduziu as políticas de promoção da igualdade racial do governo, e elogiou o trabalho desenvolvido nos últimos cinco anos. Matilde estava no cargo desde 2003, quando foi criada a Seppir. "Durante os últimos cinco anos, a Seppir, criada no meu governo para abrir caminhos que levem à superação do racismo e à inclusão social e racial, realizou, sob o seu comando, um trabalho extraordinário. Sei das imensas dificuldades, arraigadas por séculos de preconceito, que Vossa Excelência teve de enfrentar no exercício de suas funções".

Presidente esperava que Matilde tomasse a iniciativa

A audiência com Matilde não estava na agenda de Lula e foi marcada a pedido dela. O presidente não pretendia pedir que ela deixasse o cargo, mas esperar que Matilde tomasse a decisão de sair. Se ela não se demitisse, Lula a deixaria recebendo críticas no noticiário, até que a Controladoria Geral da União (CGU) desse parecer declarando a irregularidade nos gastos com o cartão corporativo.

Inicialmente, Matilde queria solucionar o caso com a demissão dos dois ordenadores de despesas. Mas a avaliação no núcleo do governo era de que não era apenas um erro isolado, mas sim uma regra. Matilde foi aconselhada por assessores palacianos a seguir o exemplo do ex-ministro de Relações Institucionais Walfrido dos Mares Guia, que deixou o governo imediatamente após ser indiciado pelo Ministério Público por envolvimento no valerioduto mineiro.

A situação de Matilde foi considerada insustentável a partir da manhã de quarta-feira, quando ela se reuniu no Planalto com um grupo de ministros, comandado pela "gerente do governo", Dilma Rousseff (Casa Civil). A então ministra da Seppir detalhou seus gastos com o cartão corporativo, apresentou esclarecimentos, mas não convenceu.

Desde que as denúncias de desvios no uso do cartão corporativo começaram a surgir, Matilde se recolheu e não apareceu para dar suas explicações. Nesta semana, depois que a Comissão de Ética Pública sugeriu que a CGU investigasse o uso do cartão porque havia possibilidade de crime e não de desvio ético, só se manifestou por meio de notas da assessoria. A primeira vez que veio a público foi ontem para anunciar a demissão.

COLABOROU Gerson Camarotti