Título: União na política contra o álcool
Autor: Ramos, José Reinan
Fonte: O Globo, 02/02/2008, Opinião, p. 7

Treinado para atuar com precisão, o cirurgião é testemunha da tragédia diária que acontece nas emergências dos hospitais brasileiros: os traumas ocasionados por acidentes de trânsito. Cada vez são mais graves, mobilizando um grande número de profissionais e acarretando um alto custo, além das graves conseqüências para vítimas e familiares.

Segundo as estatísticas do sistema de saúde brasileiro, do total de vítimas de trauma no país durante o ano, 40% são acidentes de trânsito. Tão assustador quanto as estatísticas é a aparente naturalidade com que assumimos esse problema, não só socialmente, mas também psicologicamente, pois temos a tendência de achar que é mais um efeito colateral inevitável do progresso.

O trânsito no Brasil é um dos mais violentos do mundo. Nos EUA, a média anual é de duas mortes por 10 mil veículos. No Brasil a taxa é de cerca de sete. Nos feriados nacionais do segundo semestre do ano passado, aconteceram centenas de acidentes nas estradas com inúmeros feridos e mortos. No balanço preliminar da Polícia Rodoviária Federal no período de Natal, 134 pessoas morreram, o que significa um aumento de 49% em relação a 2006. No trânsito urbano das grandes cidades também não é diferente. De acordo com dados do Detran, sete pessoas morrem por dia no Estado do Rio de Janeiro em acidentes de trânsito.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 90% dos acidentes de trânsito são causados por falhas humanas, 6% pelas condições das vias e apenas 4% por falhas mecânicas. Nas falhas por imperícia, imprudência e negligência, as principais causas são o álcool, o excesso de velocidade e o avançar do sinal vermelho. As estatísticas referentes à violência no trânsito no Brasil já incluem o pedestre, vítima de atropelamento - cerca de 50% das mortes -, como o elemento mais vulnerável no trânsito.

As partes do corpo mais usualmente afetadas são: cabeça, 70%; extremidades inferiores, 40%; tórax, 38%; extremidades superiores, 33%; abdômen, pélvis e vértebras lombares, 16%; e região cervical, 6%. No Brasil, é a segunda causa de mortalidade e a sexta de internações hospitalares. O custo total do atendimento das vítimas do trânsito suga cerca de 20% do total de recursos para os atendimentos médicos primários, secundários e terciários na rede pública.

O Colégio Brasileiro de Cirurgiões, junto com outras sociedades médicas, criou o "Projeto Trauma". O objetivo é organizar o atendimento, centralizar as informações, estratificar os centros, treinar os profissionais e envolver o sistema privado de saúde, como já acontece com os transplantes de órgãos.

No entanto, entendemos que toda a especialização e investimentos em tecnologia e treinamento não acompanham a evolução, em escala aritmética, do número de acidentes. Por isso, é urgente que toda a sociedade e o governo se unam para uma grande campanha de prevenção dos acidentes de trânsito.

Em primeiro lugar, é essencial o respeito às leis de trânsito e sua correta aplicação. Em segundo lugar, o controle do consumo excessivo de bebida alcoólica. "Se beber, não dirija" tem que virar uma mania nacional.

Afinal, o álcool é responsável por cerca de 60% dos acidentes de trânsito. Nesse ponto o Ministério da Saúde tem uma política sobre bebidas alcoólicas que precisa ser mais apoiada e incentivada.

Muitas vidas podem ser poupadas com um trânsito mais humano. Nesse aspecto, não podemos ir devagar.

JOSÉ REINAN RAMOS é presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.

N. da R.: Zuenir Ventura volta a escrever neste espaço nos próximos dias.