Título: Álcool na estrada: descaso ultrapassa obediência
Autor: Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 02/02/2008, O País, p. 8
Na BR-101, estabelecimentos e vendedores ambulantes mostram reações opostas à proibição da venda de bebidas.
Fiscalização de um lado e descontrole de outro. O primeiro dia da aplicação da lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas em estradas federais mostrou que, sem rigor cotidiano, o hábito de beber ao volante será mantido pelos motoristas. Com latas de cerveja nas mãos, camelôs vendiam o produto livremente, aos gritos, na Niterói-Manilha (BR-101), ontem à tarde. A R$2, ofereciam as latinhas aos condutores retidos nos enfarrafamentos. Passou longe da via a fiscalização da Polícia Rodoviária Federal, que conseguiu fazer cumprir a lei em outro trecho da mesma estrada.
"Eu já bebi e sei como é essa mistura", diz camelô
Também à beira da BR-101, no trecho oposto, que liga o Rio a Itaguaí, o camelô Antônio Carlos Lourenço, de 31 anos, vendia apenas refrigerante e água - assim como dezenas de ambulantes no acostamento da estrada. Evangélico e ex-consumidor de cerveja, ele disse que conhece bem os efeitos da combinação álcool e direção. Duas horas antes, os camelôs tinham sido surpreendidos por policiais rodoviários à paisana, que revistaram os isopores.
- Eu já bebi e sei como é essa mistura. Eu mesmo deixei de vender cerveja muito antes da decisão - disse Antônio.
Entre os empresários e donos de bares ao longo das rodovias, a reclamação era uma só: o prejuízo causado pela decisão. Autor do primeiro mandado de segurança ajuizado no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a proibição, Joselito Machado Lima criou uma estratégia de guerra para evitar a multa de R$300 imposta a quem descumprir a lei. Escondeu, com folhas de papel, as garrafas de vinho e cachaça que costuma deixar expostas na churrascaria Dom Zelittu"s, à beira da BR-101, em Itaguaí. Ontem de manhã, policiais rodoviários foram ao restaurante e percorreram outros estabelecimentos em busca de flagrantes. Até o Km 13 da estrada federal, os comerciantes cumpriam a decisão.
Com a medida, calcula Joselito, seu negócio deixará de faturar R$50 mil por mês. O complexo gastronômico, que costuma receber 35 mil pessoas por mês, estava vazio ontem à tarde. Assim como os botequins ao longo da rodovia. Joselito argumenta, no pedido de liminar que corre no STF, que a lei atinge o direito de "livre exercício das atividades econômicas". Só em vinho, há em seu estoque R$35 mil.
Sustentado pelo apetite por álcool dos motoristas à beira da estrada, o botequim de Andréa dos Santos Domingos, ao lado da Via Dutra, ameaça fechar. Ontem à tarde, estava às moscas.
- Se continuar assim, não tem outro jeito. Vou ter que fechar. E não sei o que fazer para sustentar meus cinco filhos - disse Andréa.
A comerciante Pergentina Vilasboas, dona de um quiosque à beira da BR-101, comprou 500 caixas de cerveja para vender no carnaval. Estocou todas. E ontem de manhã reclamava do prejuízo, apontando para as cadeiras do bar, vazias:
- A lei não multa o motorista, mas o comerciante.
Na Via Dutra, policiais rodoviários informaram que um grupo foi escalado apenas para fazer a fiscalização. O balanço, segundo eles, será divulgado apenas no final do carnaval.
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