Título: O conflito tende a aumentar, diz presidente do Ibama sobre Amazônia
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 03/02/2008, O País, p. 4

ATAQUE À FLORESTA: "É possível ter atividade pecuária de maneira sustentável".

Bazileu Margarido diz que governo trava briga de gato e rato com agropecuaristas.

O presidente interino do Ibama, Bazileu Margarido, diz que o governo trava uma "batalha de gato e rato" com madeireiros e agricultores na Amazônia, mas admite que o órgão responsável pela repressão ao desmatamento não consegue receber a maior parte das multas que aplica. Ex-assessor parlamentar do PT e fiel escudeiro da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, desde os tempos do Senado, o engenheiro paulista classifica a situação da floresta de preocupante e afirma que a burocracia atrapalha a caça aos responsáveis pelas derrubadas.

Bernardo Mello Franco

O senhor participou da comitiva que sobrevoou Marcelândia (MT), um dos municípios que registraram maior desmatamento no ano passado. Como está a floresta na região?

BAZILEU MARGARIDO: Vimos um cenário preocupante em todo o percurso: vastas áreas da floresta já derrubadas, em diversos níveis de conversão do uso do solo. Há indícios muito fortes de abertura de novas áreas para a pecuária. Em boa parte do trajeto, já existe mais pasto do que floresta.

O que mudou na devastação da Amazônia?

MARGARIDO: Há quatro ou cinco anos, o desmatamento era feito com o tradicional correntão. O sujeito pegava dois tratores e saía carregando a madeira. Agora está se usando um método mais rápido e barato, a queimada. Ao mesmo tempo, é um método muito perigoso, porque se perde o controle do fogo.

Quais são os estágios desse processo?

MARGARIDO: O primeiro é a extração seletiva e predatória da madeira nobre. Marcelândia ainda tem uma cobertura de floresta grande, de cerca de 70%. Vimos sinais claros disso, com árvores caídas no meio da mata. O uso de fogo para grandes áreas não faz parte da lógica do negócio da madeira. Os indícios de que a derrubada é para a conversão do uso do solo começam aí. Esgotado o interesse dos madeireiros, essas áreas passam a ser de interesse de outras atividades, como a pecuária.

Quais são as principais dificuldades enfrentadas pelos fiscais do Ibama?

MARGARIDO: Na maior parte das áreas, ainda não se sabe ao certo o proprietário. Mandamos uma equipe precursora para investigar os responsáveis pelas derrubadas. Aí nos deparamos com outro problema. Para abastecer o carro, o fiscal precisa tirar nota fiscal em nome do Ibama. Quando ele se identifica, ninguém mais dá informação. A gente vai aprimorando a ação do Estado e quem está na contravenção muda suas estratégias. É briga de gato e rato.

A falta de pessoal continua a atrapalhar?

MARGARIDO: É uma limitação, mas o gargalo não está em identificar o local desmatado e multar o responsável, porque o número de autuações aumenta a cada ano. A maior dificuldade ainda é fazer com que essas multas sejam recolhidas aos cofres públicos. Outro problema é garantir que a sanção administrativa seja acompanhada por ações cíveis e criminais.

Quem deve se preocupar mais com o reforço da repressão ao desmatamento?

MARGARIDO: Os decretos atingem toda a cadeia, do madeireiro ao consumidor. Os grandes frigoríficos que comprarem carne de proprietários que violaram o embargo serão co-responsáveis pelo crime. Quem pretende vender para os grandes supermercados ou exportar terá que cuidar da sua imagem. E, para isso, não pode confundir seu negócio com ações ilegais, que depredam o meio ambiente.

A pecuária cresce em ritmo acelerado na Amazônia. Como conter a devastação provocada pelo setor?

MARGARIDO: A pecuária na região é extremamente extensiva. O número de cabeças por hectare é ridículo. Você não precisa criar quatro, cinco cabeças por hectare. Isso é um absurdo, um desperdício. Em 1780, na época do Grão-Pará, se criava gado nos mesmos parâmetros. É possível ter atividade pecuária na Amazônia de maneira sustentável, respeitando as regras ambientais, mas o setor precisa estar disposto a fazer isso. Enquanto os pecuaristas não tomarem consciência de que não pode ser cada um por si, fazendo o que quiser, o conflito tende a aumentar.