Título: Governo decide enfrentar lobby dos cartórios
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 03/02/2008, O País, p. 11

Proposta que será enviada ao Congresso dá a outras instituições, como o Exército, poder para emitir certidões

BRASÍLIA. O governo federal decidiu comprar uma briga com os cartórios e vai mandar para o Congresso proposta de emenda à Constituição que dá a outros agentes e instituições o poder de emitir certidões de nascimento. O ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, não descarta, por exemplo, recorrer ao Exército - que tem unidades espalhadas em regiões isoladas do país - para assumir essa tarefa nessas localidades.

Um grupo criado no governo, com participação de outros setores, como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), prepara o texto da proposta. O grupo discute ainda que essa missão possa ser atribuída também a servidores públicos que vivem e trabalham em regiões onde há ausência de cartório.

Em 2006, 406 mil crianças ficaram sem registro

A falta de registro atinge, todo ano, uma parcela da população que não tem acesso aos cartórios em regiões longínquas. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que, em 2006, 12,7% dos nascidos - cerca de 406 mil bebês - não foram registrados. Não há sequer um cartório de registro civil em 422 cidades do país. O problema atinge principalmente as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde os pais, quando informados da necessidade de registrar seus filhos, enfrentam dificuldades de acesso à sede do cartório. Na Amazônia, às vezes é necessário enfrentar dias de barco e de caminhada até chegar ao local do registro.

O registro civil é a identificação da pessoa e condição para exercício de sua cidadania e, por essa razão, o assunto está sob o comando da Secretaria dos Direitos Humanos. Mas qualquer iniciativa que exclua os cartórios dessa função enfrenta resistência de entidades como Associação Nacional dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), que não aceita estranhos fazendo seu papel.

O presidente da Anoreg, Rogério Bacelar, afirmou que somente pessoas com formação jurídica, caso de advogados, podem atuar como cartorários. Ele é contra entregar a missão a militares ou servidores públicos que desconhecem o trabalho.

- Não é uma função para qualquer um. Senão, um fugitivo da polícia vai para uma cidade dessas e faz novo registro civil e nova identidade e ninguém mais nunca acha ele. Sem falar no risco de exploração eleitoral desse serviço - disse Rogério Bacelar.

Donos de cartório dizem que têm prejuízo

Os donos de cartório de registro civil argumentam que não têm como atender a toda a população e apontam a gratuidade do registro e da emissão de documentos como certidão de nascimento e também de óbito como o principal entrave. Rogério Bacelar afirmou que, por esse motivo, não interessa aos proprietários abrirem cartórios em localidades onde não há demanda, pois eles acabam tendo prejuízo.

- Quando a gratuidade foi criada, em 97, não se estipulou como esse serviço seria pago. Se gasta papel, livro de registro, luz, aluguel e não se recebe nada. É quase um trabalho escravo - disse.