Título: Empresas menos endividadas são trunfo do Brasil em meio à turbulência
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 03/02/2008, Economia, p. 22

AMEAÇA GLOBAL: Auto-suficiência na produção de petróleo é outro ponto forte.

Levantamento da FGV mostra também lucros maiores das companhias.

Não é só em seu arranjo macroeconômico básico - elevadas reservas cambiais, expressivos saldos comerciais e dívida pública em queda - que o Brasil encontra proteção contra crises externas. Mudanças estruturais na economia brasileira, que se consolidaram nos últimos anos, deixam o país mais resistente hoje do que foi no passado, dizem analistas. E, ainda, menos vulnerável do que os outros membros dos Brics - ou seja, Rússia, Índia e China.

O quadro da economia brasileira é bem diferente de 2001, quando os EUA tiveram sua última recessão, no rastro também do estouro de uma bolha financeira, porém, na época, referente às ações de empresas de alta tecnologia. Naquele ano, a crise pegou o Brasil com empresas endividadas e pouco lucrativas, investimentos públicos e privados à míngua e ainda dependente de fornecimento externo de petróleo (a auto-suficiência só foi alcançada em 2006). Considerando-se apenas a solidez das firmas brasileiras, os últimos quatro anos apresentaram os melhores resultados desde o início da década de 1980.

- As empresas estão com uma saúde que não se via há muito tempo. Estão gerando caixa, apresentam rentabilidade boa e um grau de endividamento comedido levando em conta que voltaram a investir - afirma Aloisio Campelo Junior, coordenador do Núcleo de Pesquisas e Análises Econômicas da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Levantamento feito pela FGV a pedido do GLOBO constatou que, entre janeiro e setembro do ano passado, o lucro líquido de 200 grandes empresas listadas em bolsa foi de R$75,51 bilhões - bem acima dos R$62,39 bilhões do mesmo período de 2006. Além disso, acrescenta Campelo, os encargos financeiros diminuíram significativamente: as empresas estão menos endividadas em dólar e pagam juros menores, graças à queda da taxa básica Selic.

UFRJ: Brasil pode crescer 5% mesmo com recessão nos EUA

Mas a crise pode dificultar a vida das empresas na hora de buscar crédito. O economista Antônio Licha, do Grupo de Conjuntura da UFRJ, lembra que as firmas brasileiras têm obtido recursos no mercado acionário e de capitais. No ano passado, foram R$120 bilhões via emissão de debêntures e ações.

- Agora, este valor tende a ser menor em 2008 - diz.

Ele acredita, porém, que continuará forte o ritmo de investimentos de empresas, famílias e governo. A construção civil residencial deve ter um bom ano e as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) poderão aquecer a economia. Licha acrescenta que estatais como Petrobras estão com grandes planos de investimento e a busca de recursos no BNDES está crescendo, o que indica mais investimentos das empresas.

Para Licha, ainda que os EUA entrem em recessão - ou seja, tenham dois trimestres seguidos com crescimento negativo - a economia americana deve ter expansão média perto de 1%. Mesmo neste cenário, o Brasil teria expansão forte, próxima a 5%, prevê Licha.

Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP, destaca outro trunfo do Brasil: a não-dependência de petróleo, o que o aproxima da Rússia e o distancia de China e Índia nos Brics.

- Nos anos 80, a crise nos pegava com dívida externa alta e dependentes de petróleo. Na década de 90, a dependência do petróleo diminuiu, mas ainda éramos endividados. Hoje, as contas externas nunca estiveram tão bem e estamos diante da chance de nos tornarmos exportadores de petróleo.