Título: Lá como cá
Autor: Rosa, Bruno
Fonte: O Globo, 04/02/2008, Economia, p. 12

TELE VERDE-AMARELA

Criação de superteles nacionais começa a ganhar força em toda a América Latina.

A criação de uma supertele nacional, com a compra da Brasil Telecom pela Oi (ex-Telemar), que deve ser anunciada nos próximos dias, não é exclusividade brasileira. Em toda a América Latina, começam a ganhar força movimentos semelhantes - e com importante participação dos governos. Para analistas, o objetivo é tentar frear o avanço estrangeiro em um setor considerado estratégico. Venezuela, Bolívia, Cuba e Nicarágua acertam os últimos detalhes da criação da Gran Nacional de Telecomunicaciones, na qual o poder público será acionista majoritário.

Mas não é só. Argentina e Paraguai observam atentamente os passos do Brasil para iniciarem projetos de consolidação em seus países, dizem especialistas em telefonia, já que os grupos estrangeiros dominam mais de 90% da telefonia fixa e móvel. O Uruguai já discute novas aquisições para fortalecer sua estatal Antel, que oferece telefonia fixa e móvel. Ao longo de 2007, Venezuela e Bolívia estatizaram as empresas de telefonia após diversas brigas na Justiça.

Para Ricardo Bernhardt, da consultoria Convergência Latina, a concorrência na região ganhou novo capítulo no ano passado, quando a Telefónica comprou parte da Telecom Italia - que tem diversos ativos de telefonia fixa e móvel em países da América Latina, como a TIM. Com isso, continua Bernhardt, houve uma reação do grupo mexicano comandado por Carlos Slim, que tem presença expressiva na região e quis se fortalecer. No Brasil, Slim é dono da Claro e da Embratel, além de uma fatia da Net. Toda essa disputa tem levado governos sul-americanos a pensarem em um modelo regional mais forte.

Brasil pode servir de exemplo na AL

Só no ano passado, a América Móvil, de Carlos Slim, comprou empresas locais na República Dominicana, em Porto Rico e na Jamaica. Segundo analistas, o grupo já teria mostrado interesse pela estatal Paraguaia, a Copaco, e pela Argentina Telecom. Para Nymia Almeida, analista de telefonia da Moody"s México, a busca por um equilíbrio regional na América Latina é mais visível em países de esquerda, com governos extremamente nacionalistas. Por outro lado, ressalta Nymia, com o crescimento de uma terceira força no setor, os países alcançam um cenário ideal de concorrência:

- O ideal é ter entre duas e três empresas em um país. Eu acredito que a forte investida do governo nesse segmento é tentar uma universalização das comunicações. Venezuela, Bolívia, Cuba e Nicarágua são países de extrema esquerda, por isso, o sentimento de criação de uma telefônica nacional é mais forte. No Brasil, o governo participa, mas não é dono de 100% como está sendo feito nesses países - ressalta Nymia.

Segundo Felipe Cunha, analista da Brascan Corretora, existem hoje na América Latina dois movimentos antagônicos: as políticas populistas e investimentos relevantes de grupos estrangeiros. Mesmo em países como o Brasil, onde a criação de uma empresa nacional forte está em fase de finalização, os grupos América Móvil, Telefónica e Telecom Italia vêm mostrando cada vez mais apetite. Em contrapartida, o governo brasileiro tenta flexibilizar a legislação. É por isso que, segundo analistas, o Brasil pode servir de exemplo para outros países latinos.

- O Brasil pode ser pioneiro, mas tem de se levar em consideração que o país tem uma das economias mais fortes da região. Claro que o governo tem uma participação indireta envolvendo a supertele. No resto da região, ainda há algumas dúvidas. Os governos vão comprar a parte dos estrangeiros ou vão partir para a nacionalização, como fizeram Venezuela e Bolívia? - questiona Cunha.

Eduardo Roche, gerente de Análise do Modal, ressalta que, em países como o Uruguai, ainda é preciso esperar para ver como o governo vai conduzir a consolidação de uma empresa nacional mais forte. Para ele, as mudanças que poderão ser feitas pelo governo brasileiro estão sendo observadas por todos os outros países.

- O Brasil também vem fazendo uma reestatização em alguns setores, como na petroquímica. Porém, na telefonia, o processo é um pouco diferente, pois há forte participação do capital privado. Ou seja, a supertele será uma empresa privada com viés estatal. Os estrangeiros não vão gostar, mas se o governo fizer certo, não há do que reclamar. O grupo de Carlos Slim e a Telefónica vão partir para uma consolidação em todo o continente - acredita Roche.

Telefónica terá problemas na região

Na opinião de Virgílio Freire, consultor e ex-presidente da Vésper e da Lucent, o setor é estratégico para consolidar a infra-estrutura do país. Para Márcio Couto, da Fundação Getulio Vargas (FGV), há receio de que a telefonia fique nas mãos dos estrangeiros, já que esse é um segmento considerado sensível pelo governo. Nos EUA, continua Couto, o governo tem privilégio em várias áreas, por questão de segurança nacional.

- As telecomunicações têm efeitos em toda a economia, por isso o governo não quer abrir mão de uma posição importante - diz Couto.

Rogério Tostes, analista de telecomunicações do Santander, lembra o poder da Telefónica, que conta com cem milhões de aparelhos móveis na região, e da América Móvil, com 140 milhões de celulares.

- Nos últimos três anos, a América Latina tem sido marcada por um duelo de titãs. Por isso, em algumas nações, há movimentos populistas para criar novas forças, mas isso é algo que não vai acontecer no Brasil. Na Argentina e no Chile, por exemplo, o mercado é bastante competitivo - diz Tostes.

Samuel Possebon, diretor da Teletime, que acabou de publicar o Atlas Brasileiro de Telecomunicações, ressalta que as oportunidades de expansão na América Latina estão praticamente encerradas. Segundo ele, são poucas as operações hoje disponíveis na região, por isso, ou as companhias menores se juntam ou serão abocanhadas por grupos maiores:

- Há um pouco dos dois movimentos. No México, a Unefon e a Iusacell, de Ricardo Salinas, se juntaram para enfrentar o grupo de Slim. Em Belize, na América Central, a Belize Telecommunications foi incorporada pela Belize Telemedia. Na Colômbia, a Ola foi vendida à Milicom. Ainda restam poucos ativos, como a Telecel, do Paraguai, e a Antel, do Uruguai.

Na Argentina, a questão regulatória não permite concentração no setor, por isso muita coisa vai mudar nos próximos anos, prevê Possebon. É que, com a compra de parte da Telecom Italia pela Telefónica, o mercado de telefonia fixa na Argentina ficará 100% na mão dos espanhóis.

- A empresa cresceu demais e vai começar a enfrentar problemas regulatórios em diversos países da região. A Telefónica comprou parte da Telecom Italia para, no futuro, ter o controle da companhia, e não me parece que é apenas para ser acionista - diz Possebon.