Título: Classe média também tem culpa
Autor: Costa, Jaqueline R. da Costa; Berta, Ruben
Fonte: O Globo, 06/02/2008, Rio, p. 10

Governador diz, em Itaipava, que não vai tolerar ocupações irregulares, "seja de quem for".

Bastou pouco mais de meia hora de visita a Itaipava para o governador Sérgio Cabral mudar o tom ao apontar os culpados pela enchente que deixou nove mortos e centenas de pessoas desalojadas há dois dias no distrito de Petrópolis. Logo após desembarcar de helicóptero no Parque Municipal, na tarde de ontem, Cabral citou as "pessoas pobres que querem morar próximo aos locais onde têm trabalho" como as responsáveis pelas ocupações irregulares que culminam em tragédias como a ocorrida na Região Serrana. Após uma reunião entre representantes de estado e prefeitura, no entanto, o governador partiu para o ataque contra empresas e condomínios de luxo.

- A causa (da enchente), além de uma tromba d"água nunca vista antes, tem muito a ver também com empresas que fizeram assoreamento nos rios e condomínios de classe média alta, que fizeram barbaridades. Vamos fazer um trabalho de detecção dos aterros na região e não vamos ter nenhum tipo de tolerância com ocupação irregular, seja de quem for - afirmou Cabral.

Em nota divulgada à noite no site do governo estadual, Cabral cita o condomínio Petit Village como um dos que estariam na mira: "Temos denúncias de empresas e do condomínio Petit Village, que teriam contribuído para a situação de assoreamento do rio (Santo Antônio, que transbordou durante as chuvas). Puniremos todos os responsáveis".

Estado dá apoio de R$3 milhões

Ainda segundo o governador, a Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla) fará um trabalho conjunto com a Coppe/UFRJ para a revitalização do Rio Santo Antônio, que transbordou, sendo um dos principais focos da tragédia. Ontem, em Itaipava, Cabral anunciou um auxílio imediato de R$3 milhões para as famílias atingidas pela enchente.

- A prioridade neste momento são as famílias. Esta verba servirá fundamentalmente para que essas pessoas possam reconstruir suas vidas. A partir de hoje (ontem), 300 pessoas das próprias comunidades estão sendo contratadas para colaborar no trabalho de limpeza - completou.

Desde o início das chuvas, 600 famílias foram atendidas pela prefeitura de Petrópolis, sendo que 70 estão recebendo aluguel social do município, pois não podem voltar para as suas casas. Para evitar o contágio da população por leptospirose, o estado cedeu ao município 30 mil comprimidos de penicilina. Também foram cedidos colchonetes e mil kits de limpeza. As perdas para agricultura da região foram calculadas em R$1,2 milhão.

Dragagem com verba de R$1

Além da verba do estado, a expectativa do governador é de que haja nos próximos dias auxílio federal para a região. O vice-governador Luiz Fernando Pezão deve se reunir amanhã com o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, para definir as intervenções a serem feitas na BR-495, que liga Petrópolis a Teresópolis. A rodovia teve 200 deslizamentos num trecho de 20 quilômetros.

- Há a promessa do ministro de publicação de um decreto de estado de emergência, que facilitaria o início das obras - disse Cabral.

Hoje, técnicos da Serla chegarão a Itaipava com máquinas para começar o trabalho de drenagem do Rio Santo Antônio. Mas há críticas sobre a atuação da prefeitura na prevenção das enchentes. Segundo o vereador local Marcos Novaes (PHS), o município colocou no orçamento do ano passado apenas um real para a dragagem de rios. Este ano, o valor teria triplicado. Ou seja: três reais.

- Não vou responder sobre esse assunto - afirmou o prefeito de Petrópolis, Rubens Bontempo.

No terceiro dia após o temporal, o dia foi de muito trabalho em Itaipava. Moradores que tiveram as casas atingidas fizeram fila no Centro de Cidadania do distrito, onde foi montado um ponto de apoio às vítimas que receberam cestas básicas, água mineral e colchonetes. No local, pessoas que tiveram contato com a água da enchente recebiam vacina contra tétano, além de medicamentos para prevenir leptospirose e hepatite.

Nas casas atingidas, moradores tentavam limpar os cômodos tomados pela lama do Rio Santo Antônio, que subiu mais de oito metros. Na Estrada do Gentio, onde duas pessoas morreram soterradas, a aposentada Dinah Francisca da Conceição, de 68 anos, que morava em uma casa vizinha ao desabamento, tentava recuperar alguns bens.

- Móveis e eletrodomésticos que estavam aqui foram destruídos. Agora estamos tentando tirar o restante, pois a casa foi tomada pela lama e a Defesa Civil disse que todos têm que sair - contou a filha da aposentada, Cleusa Maria Sebastião Batista.

Até o início da noite, quatro dos 12 feridos na tragédia permaneciam internados em observação no Hospital Santa Teresa. A BR-495 permanece interditada por tempo indeterminado. O acesso foi liberado, em meia pista, somente para moradores e produtores rurais da região.

Em Volta Redonda, no Morro Mariana Torres, parte de uma casa em construção desabou sobre outra mais abaixo, atingindo o biscateiro Valdecir Marciano da Silva, que sofreu ferimentos na cabeça e na perna esquerda. Há risco de deslizamentos de encostas em cinco outros pontos do morro. A Defesa Civil Municipal interditou as duas casas. As chuvas que ocorreram na madrugada de ontem também alagaram ruas de vários bairros de Barra Mansa, onde há risco de transbordamento dos rios Barra Mansa e Bananal.