Título: A marvada lista
Autor: Doca, Geralda; Barros, Higino
Fonte: O Globo, 07/02/2008, Economia, p. 23

Governo admite falhas e vai reduzir número de produtores de carne aptos a exportarem para UE.

Ogoverno brasileiro recuou e decidiu reduzir a menos de um terço a lista inicial de 2.681 propriedades exportadoras de carne bovina in natura enviada à União Européia (UE) e recusada pelo bloco. Além disso, pela primeira vez desde o anúncio da suspensão dos embarques - que começou a vigorar na última sexta-feira - o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, admitiu ontem a existência de falhas no sistema nacional e deu a entender que os europeus têm razão ao alegar que o Brasil não tem condições de fiscalizar adequadamente todas as fazendas indicadas.

Segundo ele, a nova relação a ser enviada à UE no dia 14 deste mês conterá 600 nomes de produtores que preenchem todos os requisitos exigidos pelos compradores. A quantidade corresponde ao dobro do exigido pelos europeus. Por isso, das 600 fazendas que estarão na nova lista, a missão de técnicos da UE que virá ao Brasil no próximo dia 25 elegerá 300 propriedades para uma auditoria.

- As outras duas mil têm problemas em questões burocráticas, pequenas falhas, erros, detalhes - disse o ministro. - De forma geral, todos terão de pagar o preço da própria culpa.

O reconhecimento de "pequenas falhas" - que pode enfraquecer a posição brasileira em uma possível briga com a UE na Organização Mundial do Comércio (OMC) - foi feito pelo ministro após reunião para discutir o embargo com secretários de Agricultura de cinco estados que exportavam carne bovina in natura para a UE: Minas Gerais, Espírito Santo, Mato Grosso, Goiás e Santa Catarina. A lista de mais de 2.600 fazendas encaminhada e rejeitada pela UE foi elaborada pelo Ministério da Agricultura e os governos estaduais.

Entre os erros, a falta de documentos

O ministro não entrou em detalhes sobre os problemas contidos na lista enviada aos europeus. Segundo participantes da reunião, faltavam documentos, inclusive CPFs, de alguns produtores. Foi reforçada a versão de que nada se relacionava a questões sanitárias, e sim burocráticas. Essa posição tem sido enfatizada pelo Itamaraty nos fóruns internacionais.

Os estados devem apresentar novas listas ao Ministério da Agricultura até segunda-feira, dia 11. Nelas, estarão contidos os nomes das propriedades que cumprem as exigências relacionadas à rastreabilidade de bovinos - o animal é acompanhado desde que nasce até o abate no frigorífico para exportação. Segundo o ministro, novos nomes não poderão ser incluídos na listagem inicial.

O governo brasileiro quer mostrar aos integrantes da missão da UE que as 600 propriedades indicadas cumprem rigorosamente as regras ditadas pelos europeus. Com isso, espera-se convencer os compradores a aceitarem novas indicações. Ele estima, porém, que as negociações serão demoradas: devem levar pelo menos quatro meses.

O presidente do Conselho Nacional de Secretários da Agricultura, Gilman Viana, do estado de Minas Gerais, creditou os erros à pressa com que os estados tiveram de preparar a lista dos produtores. Segundo ele, ficou acertado que caberá à UE escolher as 300 fazendas consideradas aptas a exportar a carne brasileira.

O veto europeu à carne brasileira está fazendo a alegria dos consumidores. Na Região Sul, cuja gastronomia privilegia a carne, os preços nos açougues e supermercados de Porto Alegre caíram 20%. Carnes nobres, como filés e contrafilés, estão sendo oferecidas a valores quase iguais ao de cortes menos nobres. No Rio, segundo restaurantes e supermercados, os consumidores também poderão encontrar peças mais baratas nas próximas semanas.

O diretor do Mercosul Frigorífico, Mauro Pilz, única indústria gaúcha habilitada a exportar carne bovina para países europeus, disse que os preços dos cortes nobres caíram logo na primeira semana do embargo:

- Carnes nobres, como filés e contrafilés, tiveram uma redução de preço em 20%. Elas são as preferidas do mercado europeu. Não indo para lá, estão sendo ofertadas aqui por um preço mais reduzido, já que o consumidor brasileiro não tem o poder financeiro do consumidor da União Européia - explicou Pilz.

No Rio, previsão de queda de preços

Segundo Pilz, os produtores tiveram 10% de redução na produção de carne in natura com a proibição européia. Ele espera que o embargo seja suspenso a partir do dia 25, quando uma missão de técnicos da UE visita o Brasil para inspecionar os frigoríficos.

No Rio, segundo Pedro Cordeiro, gerente do Carretão de Copacabana, cortes como picanha e alcatra devem ficar mais baratos nos restaurantes em até 45 dias. E os descontos podem chegar a R$5 no rodízio (que custa R$28,90 durante a semana):

- Em um mês e meio, haverá promoções nos restaurantes.

O Pampa Grill, na Barra, prevê substituir a picanha argentina, que ficou mais cara, pela nacional.

- Seu preço subiu de R$26 para R$28, em uma semana. Então, teremos de substituir a argentina pela brasileira - previu Elton Graffitti, gerente da casa.

Nos supermercados, a redução do preço será uma conseqüência do aumento de oferta do produto no mercado interno, explica Genival de Souza, diretor do Prezunic.

- O barateamento das carnes pode aumentar as vendas do setor, que caíram de 10% a 15% nos últimos três meses - disse João Márcio Castro, diretor do Princesa.

A retração nas vendas no período foi reflexo do alto custo da carne. No ano passado, as carnes subiram 22,15% e exerceram a maior pressão individual no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) - que encerrou 2007 com alta de 4,46%.

Apesar dessa tendência de queda de preço da carne, o mercado continua levando em consideração a pressão dos alimentos para elevar as projeções de inflação em 2008, segundo a pesquisa semanal Focus, do Banco Central (BC). A previsão para o IGP-M, pela primeira vez no ano, ficou acima de 5%, e a do IGP-DI, muito próximo desse patamar.

Segundo o Focus, o mercado estima que o IGP-M feche o ano a 5,04%, acima dos 4,85% do levantamento anterior. Para o IGP-DI, as contas saíram de 4,79% para 4,90%. Os especialistas mantiveram as estimativas para o dólar a R$1,80 no fim deste ano e, para o fechamento de 2009, a R$1,90. Já para o IPCA, o mercado revisou as projeções de 4,45% para 4,44%.

COLABOROU Patrícia Duarte