Título: Cartada com CPI
Autor: Camarotti, Gerson; Vasconcelos, Adriana
Fonte: O Globo, 07/02/2008, O País, p. 3

GASTOS SEM CONTROLE

Planalto manobra, pede apuração sobre cartões só no Senado e inclui governo FH.

Ao constatar que o governo estava acuado com o escândalo envolvendo gastos irregulares com o cartão corporativo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus articuladores políticos decidiram mudar a estratégia adotada até então, e ontem deram sinal verde para instalar uma CPI, mas só no Senado. De férias no Guarujá (SP), Lula autorizou, por telefone, o líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), a pôr em prática a manobra de última hora, que surpreendeu tanto parlamentares da base aliada como oposicionistas. A oposição reagiu dizendo ser uma tentativa de "golpe" e de "pizza geral".

No início da noite, Jucá protocolou o requerimento para criação da CPI com 32 assinaturas, inclusive de senadores da oposição, propondo investigação desse tipo de gasto desde 1998. Até então, o grande temor no governo era iniciar o ano legislativo com denúncias e pautado pela oposição. Com a iniciativa, acredita-se no Planalto, o governo ganhou fôlego para o embate no Congresso. Lula conversou com Jucá por volta das 15h, pouco antes do início da sessão de abertura do ano legislativo, no plenário da Câmara.

- O governo não vai ficar como saco de pancadas da oposição. Não há o que temer - disse Lula a Jucá.

A nova estratégia foi decidida no fim da manhã, no Planalto. Em reunião com os ministros José Múcio (Relações Institucionais), Dilma Rousseff (Casa Civil) e Paulo Bernardo (Planejamento) e os líderes Jucá e Henrique Fontana (PT-RS), ficou decidido que o governo proporia a CPI no Senado, mas ampliando o período de investigação para os últimos dez anos.

Com isso, seriam investigados os gastos do segundo mandato do governo Fernando Henrique (1998-2002). Como os cartões corporativos só foram instituídos em 2001, o requerimento incluiu a investigação dos chamados suprimentos de fundos - recursos previstos nos orçamentos de cada órgão para pequenas despesas dispensadas de licitação.

Jucá: "As tapiocas são as mesmas"

Antes da criação do cartão corporativo, esses gastos eram feitos em dinheiro vivo, sacado em contas bancárias conhecidas como "contas B", por servidores autorizados. E é justamente essa movimentação por cheques no governo tucano que os governistas querem que a CPI também investigue. O cartão foi criado em 2001, mas o novo sistema só teve movimentação significativa a partir de 2002. O Portal da Transparência, da Controladoria Geral da União (CGU), divulga as despesas realizadas a partir de 2004.

O requerimento diz que a CPI tem como "objetivo apurar eventuais irregularidades na utilização de suprimentos de fundos" por meio de adiantamentos, de contas bancárias e dos cartões. Foi a forma que o governo encontrou para intimidar a oposição e, com isso, tentar fechar um acordo de procedimentos durante a investigação para tentar limitar a ação da CPI.

- Mudou a forma de gasto de conta "tipo B" para cartão corporativo, mas o gasto continua o mesmo, e vamos comparar tudo. As tapiocas são as mesmas. Só mudou o gosto. O que vamos apurar é se os seguranças da Presidência comiam antes em churrascaria ou se isso é algo desse governo. Ou seja, quero saber o que é um padrão e se já era adotado antes. O presidente Lula não vai ficar acuado. Agora, você acha que o governo mandou alguém fazer gasto numa loja de sinuca? Quem errou que pague por isso! - afirmou Romero Jucá.

O ministro José Múcio admitiu que era contra a criação da CPI, mas negou manobra do governo: - Sempre fui contra CPI. Mas, quando todo mundo estava cobrando uma explicação do governo para gastos corporativos, era preciso esclarecer os fatos. Agora, não há manobra. Essa é uma iniciativa do Legislativo.

COLABORARAM: Isabel Braga e Cristiane Jungblut