Título: De barraca a hotel de luxo
Autor: Lima, Maria; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 08/02/2008, O País, p. 3

GASTOS SEM CONTROLE

Cartão corporativo foi usado até para compra em feira que vende produtos piratas.

Os cartões corporativos do governo federal, que deverão virar tema de CPI no Congresso, vêm sendo usados para pagar de itens luxuosos a despesas inusitadas que ignoram as regras de limite e urgência. Um ministro e outras autoridades pagaram no cartão corporativo diárias no luxuoso Hotel Copacabana Palace, no Rio. Na outra ponta, servidores de segundo e terceiro escalões da Secretaria de Administração da Presidência pagaram, principalmente em Brasília, contas em floriculturas, cosméticos, drogarias, lojas de roupas, piscinas e cinefotos. Nessa lista há até uma compra numa barraca da Feira dos Importados, conhecida como Feira do Paraguai, local famoso por vender produtos piratas.

No dia 6 de dezembro passado, a servidora Ariene Meneses pagou com o cartão do governo uma compra de R$40. Pelo registro da Receita Federal, o estabelecimento Zheng Chunliang, que aparece no portal da Controladoria Geral da União, é descrito como uma loja de comércio de bijuterias e souvenires. Mas a pequena barraca do chinês Zheng é especializada na venda de óculos de sol. Modelos Dolce & Gabbana, Gucci e outras marcas famosas falsificadas são vendidos na barraquinha por cerca de R$40. Zheng vende também sutiãs Wondebra, igualmente piratas, ao preço de R$10.

Uma vendedora, que não quis se identificar, disse que o sutiã é um dos itens mais procurados, além de óculos, lanternas e guarda-chuvas. Ela diz não lembrar o que vendeu a Ariene.

O Portal da Transparência registra que o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, pagou despesas com o cartão no Copacabana Palace por três vezes em 2006. Além dele, integrantes do comando da Marinha fizeram o mesmo - R$2.998,50 no dia 5 de agosto. Há ainda uma conta em nome do Ministério da Fazenda, no valor de R$552, no mesmo hotel.

A primeira das três vezes em que o então ministro da Justiça hospedou-se ali foi em 6 de abril de 2006. O cartão corporativo pagou a despesa de R$2.255,04. Desse valor, segundo o ministério, Bastos recolheu R$138,60, referente a gastos não cobertos pela administração pública. Em setembro daquele ano a despesa foi de R$1.507,89 e, em dezembro, o gasto no hotel foi de R$1.228,86. Segundo a assessoria, em todas as vezes que ficou hospedado no Copacabana Palace, Bastos tinha compromissos oficiais na cidade. Em abril participou de cerimônias em favelas e na Polícia Federal. Em setembro foi a um encontro da Interpol e, em dezembro, teve reunião com o futuro governador Sérgio Cabral.

"Necessidades diárias" na feira

A mesma servidora da Presidência que usou o cartão na barraca de Zheng Chunliang gastou, ao longo de 2007, R$55,2 mil. Em abril e dezembro, pagou duas faturas de compras na PB Colchões, nos valores de R$263,70 e R$289. Em novembro gastou R$150 na Aquaplay Piscinas; em novembro, R$264,50 na Drogaria Vison; em março, R$90 na Lima Dias Roupas e Acessórios; em agosto, R$378 nos Enxovais Blumenauense; e em janeiro, R$50 nos Armarinhos Milano. Usou várias vezes o cartão para pagar despesas no Cine Foto Universitário, num total de R$2.100.

Lotada na mesma Secretaria de Administração da Presidência, Gisele Figueiredo, colega de Ariene, usou o cartão do governo para custear gastos de R$100 na loja Brotinhos Couro e R$420 na HV Confecção de Estojos e Cases. Já Haroíso Oliveira pagou com o cartão R$313,50, em junho, na loja Kamisa Confecções e Comércio, especializada em vestuário e acessórios. José Henrique Souza, por sua vez, usou o cartão para pagar R$288 de compras na panificadora Pão Italiano.

Segundo a Casa Civil, a servidora Ariene Menezes recorreu à Feira dos Importados para adquirir mini-CDs, CDs e baterias para celulares. Gisele Figueiredo é atualmente sua substituta. Em outro momento, o servidor Haroíso Oliveira também foi substituto de Ariene. "As despesas mencionadas são de pequeno vulto e se destinam a atender as necessidades diárias das diretorias da Secretaria de Administração", diz a nota da Casa Civil.

Na PB Colchões (Pioneira da Borracha), a Casa Civil disse que foram adquiridos materiais para a oficina. Na Aquaplay Piscinas, materiais de manutenção para o espelho d"água do Palácio do Planalto. Na Lima Dias Roupas e Acessórios, luvas descartáveis para o serviço médico do Planalto. Na Kamisa Confecções Indústria e Comércio, luvas para a guarda Dragões da Independência, que fica na rampa do Palácio. Na Armarinho Milano, pastas com divisórias.

O Banco Central informou ontem que determinou a abertura de auditoria interna das movimentações ocorridas com cartões corporativos de uso da instituição. A decisão foi tomada depois de O GLOBO ter revelado que foram gastos R$499 na loja de calçados e bolsas Datelli. Na prática, a instituição antecipou a auditoria dos gastos que seria feita ao longo deste ano. A despesa, segundo a assessoria do BC, foi feita para comprar uma pasta tipo 007, com cadeados, "para uso em serviço por servidores incumbidos de realizar compras e transporte de documentos e valores na área de Recursos Materiais e Patrimônio". Dessa forma, o BC diz que o material pertence ao patrimônio da instituição, em nome do qual foi emitida a nota fiscal em 6 de novembro passado.