Título: Neste país, tudo agora termina em tapioca
Autor: Marques, Sérgio; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 08/02/2008, O País, p. 4

GASTOS SEM CONTROLE: Ministro alegou que confundiu cartões, apesar do brasão.

Dona de tapiocaria estranhou freguês pagar R$8,30 com cartão com brasão.

BRASÍLIA. No início da manhã da terça-feira 8 de maio de 2007, Neuci Soares, uma das duas sócias da Tapiocaria Maria Bonita, levou um susto: a conta de R$8,30 para o pagamento de um café da manhã seria paga com um vistoso cartão dourado no qual se destacava um brasão da Presidência da República. O fato ocorreu há nove meses, mas é lembrado como se fosse ontem. Não é comum valores tão pequenos serem pagos com cartões, principalmente com a estampa oficial. Era uma novidade mesmo para o local, freqüentado por várias autoridades da República. Curiosa, Neuci chegou a se levantar do balcão para ver de quem era. Não reconheceu o senhor moreno de cabelos curtos, sentado sozinho do lado de fora.

- Achei que era um funcionário do governo, e, como minha função é receber o pagamento, recebi - conta a reticente Neuci.

O funcionário era o ministro do Esporte, Orlando Silva, que antes de ir para o trabalho tomava café com leite e comia uma tapioca recheada de queijo coalho, coco ralado e manteiga da terra. Apesar de ser uma das 57 tapiocas disponíveis no cardápio, o quitute é a pedida de 99% dos consumidores nordestinos que freqüentam o pequeno restaurante, localizado no meio de uma quadra comercial, no bairro Sudoeste, decorado discretamente com motivos do Nordeste. Orlando Silva é baiano. Desde 2005, ele gastou R$34.378,37 com seu cartão corporativo, que representam 60% dos R$55.668,73 gastos por seu ministério no mesmo período. Silva anunciou que já devolveu o dinheiro.

E alegou que confundiu seu cartão pessoal com o corporativo ao pagar a tapioca porque eles são parecidos. Para Neuci, porém, o brasão da Presidência da República, que só consta do cartão corporativo - e não do pessoal - , chama muito a atenção, tanto que a levou a tentar descobrir quem o usava.

- Neste país, tudo terminava em pizza. Agora vai terminar em tapioca - disse ela.