Título: Rio, capital do consignado
Autor: Schreiber, Mariana; Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 08/02/2008, Economia, p. 19

Número de instituições de crédito aumentou 80% no município desde 2003.

ORio de Janeiro assiste a uma acelerada expansão de empresas financeiras nos últimos quatro anos, depois de ter amargado a perda da sede da Bolsa de Valores e de grandes bancos de investimentos. De dezembro de 2003 a dezembro de 2007, o número de licenças concedidas pela prefeitura para funcionamento de instituições financeiras cresceu 80%, passando de 2.162 para 3.906. O principal responsável pela expansão foi o aumento da oferta de crédito consignado para funcionários públicos e aposentados - com desconto de prestações na folha de pagamento e juros mais baixos -, segundo levantamento feito pelos fiscais de Atividades Econômicas da Coordenação de Licenciamento e Fiscalização (CLF) municipal.

Em dezembro de 2005, o volume total de crédito consignado liberado no país era de R$31,704 bilhões. Em 2007, saltou para R$64,439 bilhões: uma alta de 103%. Já o volume de crédito pessoal cresceu 58% no período, passando de R$70,739 bilhões para R$112,398 bilhões. Atualmente, o crédito consignado representa 57% do volume de empréstimos pessoais.

- O aumento do crédito consignado é um fenômeno nacional. A estabilidade econômica traz segurança, estimulando a abertura de financeiras e o endividamento pessoal. - analisa Miguel de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).

Serviço público impulsiona o setor

Segundo Oliveira, o fato de o Rio abrigar a sede de muitos órgãos e empresas públicas é um dos fatores por trás da forte expansão das financeiras na cidade. Embora, desde 2003, o empregado do setor privado esteja autorizado a fazer empréstimo consignado, o servidor público ainda é responsável por 87% dessas transações.

A funcionária da Secretaria de Obras do Rio Dirce Silva é um exemplo típico dos clientes das financeiras. Nos últimos anos, ela fez dez empréstimos consignados. Atualmente, é credora em quatros instituições financeiras, e as parcelas consomem um terço do seu salário de R$1.500. Ontem, depois de gastar demais no carnaval, ela voltou a uma das empresas para refinanciar seu empréstimo.

- Comecei pegando empréstimo para reformar a casa e cobrir despesas médicas. Agora, estou no vermelho e preciso comprar material escolar para meus filhos. O juro não passa de 2%, vale a pena - afirmou Dirce.

Quem anda no Centro percebe claramente a expansão das financeiras: basta caminhar pela Avenida Rio Branco ou por suas transversais, onde existem dezenas de lojas de empresas de financiamento e funcionários que distribuem folhetos com promessas de crédito fácil em qualquer esquina. No total, Centro e Castelo concentram 1.444 licenças concedidas pela prefeitura, 37% do total.

- Apenas a Avenida Rio Branco tem 300 instituições de crédito. É o paraíso financeiro do Rio - afirma o coordenador de Licenciamento e Fiscalização da prefeitura, André Queiroga, lembrando que, nas regiões da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá, que concentram 12,9% das licenças, foram inauguradas 50 novas financeiras somente em 2007.

Para o vice-presidente da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), José Arthur Assunção, o avanço do crédito é uma resposta direta ao crescimento econômico com inflação controlada. Nesse cenário, as financeiras puderam baixar juros e alongar prazos:

-- Há dois anos, o crédito consignado era concedido em no máximo 12 vezes. Hoje, chega até a sete anos. Nem sempre a finalidade do crédito é uma ajuda emergencial. As pessoas hoje buscam empréstimos para realizar pequenos sonhos de consumo -- disse Assunção, lembrando que o crédito representa hoje 34% do PIB e, até o fim do ano, deve atingir 40%.

Paulo Maximilian, advogado do escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados, acredita que a multiplicação de financeiras pelo país é vantajosa para o consumidor:

-- Com mais empresas, há maior concorrência. Elas disputam clientes e, com isso, baixam juros.

Acompanhando essa tendência, o banco Santander anunciou ontem que sua estratégia no Brasil este ano está focada em crédito consignado, imobiliário e de veículos. O banco teve lucro líquido de R$1,86 bilhão em 2007, uma alta de 48% ante 2006. O resultado foi puxado pela forte expansão das operações de crédito, que cresceram 17% e atingiram R$43,7 bilhões. O crédito consignado avançou 41%.

Em teleconferência, o vice-presidente financeiro do Santander no Brasil, Carlos Galan, disse que a instituição projeta crescimento entre 35% e 45% para as operações de crédito consignado, de 100% em negócios com financiamento imobiliário e de 40% no segmento de veículos novos.

- O foco é o crescimento na carteira de pessoa física e também no segmento para pequenas empresas e crédito para grandes corporações, e o Brasil é estratégico - afirmou.