Título: Agressor escapa de processo
Autor: Mader, Helena; Bernardes, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 28/04/2009, Cidades, p. 27

Violência doméstica

A pedido da vítima, Justiça do DF arquiva caso em que homem era acusado de espancar e queimar o corpo da mulher grávida. Especialistas encaram o episódio como uma derrota para a Lei Maria da Penha

O homem que espancou e queimou o corpo da companheira grávida de seis meses não será processado. A Justiça do DF mandou ontem arquivar o caso, registrado em Samambaia em 2 de novembro de 2006. Depois da violência, a vítima, pressionada pelo agressor, retirou a queixa. O Ministério Público entendeu que, ainda assim, o homem deveria ser julgado pelo crime de lesão corporal. Mas, agora, desembargadores entenderam que a continuidade da ação depende, sim, da vontade da vítima.

A decisão contraria a Lei Maria da Penha e especialistas acreditam que abrirá precedentes para que outros agressores saiam impunes. ¿É um absurdo!¿. Foi assim que a própria Maria da Penha, que inspirou a lei que criou mecanismos de proteção às vítimas de violência doméstica, recebeu a notícia. ¿Quando o Estado lava as mãos, dá ao criminoso o aval para que ele assassine a mulher. Se ela morrer, quem vai cuidar do filho órfão? Quem vai tratar do trauma de ele ter tido a mãe assassinada pelo marido?¿, questionou. ¿E ela desistiu por quê? Eles (juízes) estão convivendo com a mulher para saber que tipo de pressão ela está sofrendo? E se amanhã ela morrer, de quem é a culpa?¿, perguntou.

Fausto Rodrigues, promotor de Samambaia que cuidou do caso desde o início, também lamentou o resultado. Ele conta que vai recorrer para levar o processo ao Superior Tribunal de Justiça. ¿Há outros casos no STJ. Acredito que ainda este ano os ministros vão julgar todos juntos¿, explica o promotor. Fausto destaca que ainda há no Poder Judiciário forte resistência ao cumprimento da lei. ¿Muitos juízes insistem em fazer audiências de conciliação, procedimento errado. Persiste um conservadorismo e a mentalidade de que em briga de marido e mulher não se deve meter a colher¿, destaca o promotor.

Preocupação Sob os olhos de quem trabalha com a violência contra a mulher, a decisão é vista com preocupação. A delegada-chefe da Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM), Sandra Gomes Melo, acredita que o ciclo de violência vai continuar se outros casos forem julgados da mesma forma. Para ela, o grande mérito da Lei Maria da Penha foi justamente o de não permitir acordos e de tirar dos ombros da mulher a responsabilidade por decidir pelo processo contra o companheiro agressor. ¿Sabemos que o simples perdão da mulher não muda a personalidade da pessoa violenta. Na minha opinião, esse autor se sentirá mais poderoso e acabará convencendo a vítima a desistir do processo¿, comentou Sandra Gomes.

A delegada afirmou que continuará a tratar os casos de agressão conforme previsto na Lei Maria da Penha. Ou seja, uma vez registrada a queixa, a mulher não poderá retirá-la na delegacia. ¿O Estado precisa evitar que a mulher seja vítima de novas agressões. Toda vez que se tem uma decisão como essa, a aplicação da lei fica enfraquecida¿, encerrou.

Encargo A assessora técnica na área de Violência e Direitos Humanos do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Myllena Calazans de Matos, enfatizou que a decisão vai provocar repercussão negativa. ¿Além de romper com o ciclo da violência, o Estado está exigindo da vítima que ela decida se o autor será processado ou não. É mais um encargo para a mulher.¿

No entendimento de Myllena, a violência doméstica é uma ingerência contra o ordenamento jurídico. Por esse motivo, cabe ao Estado a responsabilidade por averiguar o crime até o fim do processo. ¿Por que no caso de crimes como furto de bicicleta ou de um celular a ação independe da vontade da vítima e em um caso de violência contra a mulher, não?¿

Os desembargadores do Tribunal de Justiça preferiram não comentar a decisão. Segundo a assessoria da instituição, a justificativa é que o processo corre em segredo de justiça até a publicação do acórdão, ainda sem data prevista. A reportagem procurou, ainda, o conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil ¿ DF, Raul Livino. Ele também disse que só comentaria o assunto após ler o acórdão.