Título: O cartão tem saque e fatura. O saque vinha sendo usado exageradamente
Autor: Gois, Chico de; Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 10/02/2008, O País, p. 4

Para Jorge Hage, abusos não justificam o fim dos cartões corporativos.

Os abusos cometidos com gastos irregulares e injustificáveis não abalaram a convicção do ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage, de que o cartão corporativo do governo federal é o mecanismo mais transparente e rastreável para controle dos gastos públicos. Ele reconhece, porém, que o sistema só será totalmente transparente com o fim dos saques, que somaram ano passado 75% do total de R$78 milhões.

Os cartões corporativos dão a transparência propalada pelo governo?

JORGE HAGE: Não tenho qualquer dúvida. Quando lançamos o Portal da Transparência, em 2004, tínhamos clareza de que era o primeiro passo de uma caminhada muito importante e que teria um preço político a ser pago, porque nenhuma mudança de orientação em matéria de gestão se faz sem criar determinado tipo de frisson, de rebuliço. Hoje estão expostos 80% dos gastos com cartão. Saímos de um estágio zero em termos de exposição das despesas públicas e estamos em um nível altamente razoável de transparência.

Os saques foram muitos e os gastos com esse dinheiro não são transparentes...

HAGE: O saque no cartão neutraliza, praticamente, os objetivos de transparência. Só é transparência, mesmo, se for compra direta nos estabelecimentos afiliados. O problema é que dentro do cartão tem saque e fatura, e o saque vinha sendo usado exageradamente.

Por que os governos anteriores não tornaram públicos esses gastos?

HAGE: Eu prefiro não fazer essa análise, mas me parece que é algo que salta aos olhos. Se você me indagar se já estamos no nível que gostaríamos de chegar, eu diria que não. Estamos em uma curva ascendente indiscutível. Com o decreto do presidente superamos dois obstáculos para chegar ao nível de transparência desejada. Primeiro, suprimimos as contas tipo B, que só existirão até junho e não serão abertas outras. Segundo: vetamos os saques como regra. Quando saca em dinheiro está se nivelando à sistemática antiga, que estou criticando, que é a conta com talão de cheque - sempre utilizada na administração pública e nunca ninguém investigou, nem perguntou ou procurou saber o que acontecia dentro da opacidade dessas contas.

O que se pode pagar com o suprimento de fundos?

HAGE: São pequenas despesas, de pronto pagamento. Pequeno vulto são despesas de até R$800 em cada compra. Mas pode ser para outras hipóteses que não estão limitadas a esse valor.

Aluguel de carro entra nessa descrição?

HAGE: Pode ser, se for uma vez, numa eventualidade. Se for regular, todo mês, não pode. O saque foi previsto como exceção e precisa ser tratado como exceção.

A quantidade de contas do tipo B explica o fato de não terem sido publicados os nomes de vários ministros no Portal?

HAGE: Sem dúvida. Agora, quando acabamos com as contas do tipo B e restringimos o saque no cartão, estamos passando para outro patamar de controle, praticamente online, o que possibilita controle social. Na medida que coloca isso na internet, chama a sociedade para fiscalizar. E a imprensa aponta casos que levam os órgãos de controle a investigar. E, mais importante, funciona como preventivo de irregularidade.

A tendência do Planalto é aumentar ainda mais os gastos que considera sigilosos. Isso não vai contra a transparência do governo?

HAGE: A análise da implicação de qualquer tipo de gasto, seja alimentação ou lavagem de uniformes de segurança para a segurança, é da competência do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

O senhor acha que há um abuso no uso dos cartões?

HAGE: Acho que precisam ser restabelecidas as diárias em valores fixos para ministros de Estado em viagens no país. A supressão do pagamento de diárias é uma das responsáveis por grande parte do que está aí na imprensa.

Mas há casos em que o portador do cartão passou por cima de decisões superiores, como no conserto da mesa de sinuca. Como resolver isso?

HAGE: No sistema tradicional, a auditagem que se fazia era por amostragem. Agora passa a ser cada vez mais exposta no Portal da Transparência, permitindo o acompanhamento por nós e por vocês.

Mas essas informações estavam no portal e só agora se tornaram públicas.

HAGE: Claro. Mas é para isso que está no portal. Os órgãos de controle têm de examinar a despesa pública toda, priorizando os critérios normais de auditoria, como volume dos recursos, tamanho da despesa.

Uma servidora da Presidência gastou R$40 na Feira do Paraguai, de produtos falsificados. Ficou muito fácil utilizar o cartão?

HAGE: De forma alguma. Essa mesmíssima facilidade sempre existiu, porque é suprimento de fundos. Era muito pior porque não ficavam sabendo, pois era retirado em dinheiro e depositado numa conta em nome do funcionário, que emitia cheques, sacava em dinheiro e ia comprar na Feira do Paraguai. Nunca ficaram sabendo nem bateram nos governos anteriores, porque nenhum lhes deu a oportunidade de mostrar isso na internet.

O governo só fez mudanças depois das denúncias na imprensa. Não percebeu antes que precisava melhorar?

HAGE: Evidente que sim. Estamos discutindo a necessidade de reduzir os saques há cerca de um ano, desde fevereiro de 2007.