Título: Doenças da pobreza matam 226 por dia no país
Autor: Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 10/02/2008, O País, p. 14

Males como diarréia, desnutrição, dengue, malária e febre amarela causam mais vítimas que os acidentes de trânsito.

SÃO PAULO. As doenças da pobreza e o abandono matam 226 brasileiros por dia. São pelo menos 82,5 mil mortes por ano causadas por males como diarréia, desnutrição, malária, tuberculose, dengue, febre amarela e falta de assistência médica. Este número, extraído pelo GLOBO do banco de dados do Ministério da Saúde, é maior que o total de homicídios e de mortes em acidentes de trânsito registradas em 2005 (cerca de 77.500).

- Toda morte que poderia ser evitada causa indignação. Não podemos classificar isso como aceitável. Assim como nos acidentes de trânsito, em que faltam fiscalização e melhores estradas, nas mortes evitáveis falta mais ação do Estado - afirma o coordenador de Planejamento em Saúde do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Nicanor Rodrigues da Silva Pinto.

Mortes sem assistência médica somaram 49 mil

O GLOBO fez um levantamento junto à base de dados do Ministério da Saúde, considerando a Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Foram somadas as mortes dos itens "algumas doenças infecciosas e parasitárias" (à exceção da Aids e da septicemia) e a desnutrição. Esse grupo de males infecciosos e a desnutrição são as chamadas doenças da pobreza, com média anual de 33,5 mil mortes. A este número, somou-se o item "morte sem assistência médica", com cerca de 49 mil óbitos registrados em 2005.

Só de diarréia e infecções intestinais morreram, em 2005, por exemplo, 10.599 pessoas. A desnutrição, sozinha, matou 6,9 mil brasileiros. A tuberculose, embora seja curável e tenha um custo de tratamento de R$70 (quando tratada no início e sem internação), causou mais de 4,7 mil mortes. Em 2005, até a poliomielite aguda reapareceu, matando 3 pessoas.

Silva Pinto, no entanto, estima que a pobreza e a fome causem efeitos muito maiores na mortalidade nacional (1.006.827 mortes em 2005, último ano de dados registrados pelo DataSUS, do Ministério da Saúde). Além das doenças da pobreza, há a perversidade da pobreza, como nos casos de pneumonia, em que morreram 35.903 pessoas.

- Assim como na infecção intestinal, na pneumonia também tem uma bactéria, e é "comum" morrer uma criança ou um idoso, uma pessoa mais fraca. Na grande maioria dos casos, o sistema imunológico está comprometido pela falta de comida, pela pobreza. O principal fator de baixa imunidade é a fome.

Para Silva Pinto, o estado de fragilidade do organismo das pessoas com fome ou mal-alimentadas as expõe a maiores riscos, e a falta de acesso aos serviços de saúde limita as possibilidades de cura. A falta de saneamento, informação e escolaridade cria o ambiente perverso da proliferação das doenças.

- Dessas 49 mil mortes sem atendimento médico, 43 mil ocorreram em casa, certo? Quantas dessas pessoas não tiveram como chegar a um serviço de saúde porque não tinham acesso? A maior parte, podemos conferir, ocorreu no Nordeste do país.

Cerca de 23,6 mil mortes sem atendimento médico ocorreram em casas do Nordeste, sendo 10.717 na Bahia, fora da região metropolitana de Salvador. As mortes sem atendimento médico vêm caindo. Em 2000, foram 79 mil óbitos. Em 2001, 74 mil. Já em 2004, 65 mil óbitos. A maior redução foi em 2005, com os cerca de 49 mil óbitos. Os dados fechados dos dois últimos anos não foram divulgados. A falta de informação em tempo real da situação da saúde no Brasil é um dos problemas apontados pelo patologista Heitor Franco de Andrade Júnior, do Instituto de Medicina Tropical da USP.

- Não se trata apenas de atualizar rapidamente o DataSUS, mas de criar um sistema de informações para os médicos e profissionais de saúde sobre todos os agravos e doenças, para deixar o médico ciente do que está ocorrendo com as doenças imediatamente - explica.

Ele admite que hoje muitos médicos jovens sabem mais sobre avançados tratamentos do que sobre doenças tropicais ou transmissíveis, como a febre amarela, malária, leishmaniose, Chagas e coqueluche.

- Hoje, o conceito de serviço de saúde mudou. O paciente é "cliente", mesmo no Sistema Único de Saúde (SUS). Ninguém quer procurar um clínico geral, mas um especialista. E o residente não quer ser clínico geral. Há um outro problema grave, que é a urbanização dessas doenças. A tuberculose é um exemplo - lamenta o médico.

Temporão diz que lançará plano de combate às doenças

O GLOBO procurou a Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, por mais de dez dias. A repórter foi orientada a mandar as perguntas, por email, ao secretário Gerson Penna, dermatologista e especialista em hanseníase. As perguntas foram enviadas em 1º de fevereiro. O Ministério não respondeu nem forneceu dados de mortalidade referentes a 2006 e 2007 até anteontem à noite. Em entrevista à TV Brasil, do governo federal, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, disse que lançará um plano de combate às doenças da pobreza, que teria R$4 bilhões em quatro anos.