Título: De olho no PAC, Exército quer R$450 milhões
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 10/02/2008, Economia, p. 33

Receita da Força com serviços em obras subiu 1.185% em relação a 2002. Entre as vantagens, preço menor.

BRASÍLIA. Publicamente elogiado pela gerente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, o Exército quer uma fatia maior, a partir deste ano, do canteiro de obras que o governo promete erguer de Norte a Sul do país. Em 2007, a Força recebeu R$400 milhões para tocar empreendimentos como a duplicação da BR-101 no Nordeste e preparar a transposição do Rio São Francisco. Este ano, o orçamento para seus serviços de engenharia deverá engordar 12,5%, para R$450 milhões.

Mas os militares querem mais: eles estão cobiçando a construção da Ferroeste (Cascavel-Paranaguá), na extensão que deve passar por Foz do Iguaçu e chegar a Dourados (MS); a melhoria das ferrovias da Bahia (eixo Leste-Oeste, recém-incluído no PAC como estudo) e parte da ferrovia Transnordestina.

- Tudo o que se relaciona com infra-estrutura nos interessa, nem que seja em um pequeno pedaço, uma parte das obras - resumiu o general Paulo Kazunori Komatsu, diretor de Obras de Cooperação da Força.

Tecnologia desenvolvida gera interesse da Petrobras

Além da receita - que subiu 1.185% em relação a 2002 -, os militares acreditam que as obras servem para treinar a tropa, criar novas tecnologias e integrar o país. Em troca, oferecem serviços que, asseguram, saem por 15% menos que o cobrado por empreiteiras. E sem a possibilidade de aditivos de contratos, como ocorre com as construtoras. Ou seja: uma vez firmado o convênio, a obra deve ser feita pelo preço acertado.

A redução de custo é confirmada por fontes do Ministério dos Transportes, o grande contratador do Exército. Três dos quatro grandes convênios, na casa de centena de milhões de reais, são da pasta: transposição do São Francisco, duplicação da BR-101 Nordeste e pavimentação das BRs 319 (AM) e 163 (MT/PA).

- Gostaríamos de ter previsibilidade para nossas atuações, de manter o atual nível, com pequeno crescimento. Poderemos ter 5% do orçamento do PAC. Queremos manter todos os batalhões trabalhando a plena capacidade pelos próximos anos, para manter nossa atividade e nossa evolução. Esse é nosso grande sonho - afirmou o general, para o qual a atividade dos batalhões de engenharia hoje só é comparável à da época do milagre econômico.

Ele cita ainda a credibilidade como fator de atratividade. Mas admite que a facilidade de mobilidade de pessoal, a disposição para trabalhos em regiões remotas e a redução dos custos também são importantes para a escolha dos operários fardados, além da dispensa do processo licitatório - a contratação do Exército é feita por convênio.

Atualmente, oito mil soldados, 1.500 civis contratados de 11 batalhões e uma companhia de engenharia estão envolvidos em mais de 50 obras. O general destaca ainda que o Exército vem crescendo com a atuação em engenharia. Por exemplo, para a duplicação da BR-101 Nordeste, desenvolveu a tecnologia de construção com concreto:

- Aprendemos e podemos passar essa tecnologia à iniciativa privada. Fizemos uma obra que vai durar 50 anos.

A Região Norte concentra os principais empreendimentos a partir dos quais o Exército tem desenvolvido tecnologias.

- O caso mais recente é o da argila calcificada, que já foi patenteada e tem sua utilização na BR-163 de forma experimental. Como em diversas partes do Norte não existe brita, tivemos de criar algo que a substituísse. É uma forma de tijolo super-resistente triturado - explicou o general, que afirmou ter sido procurado pela Petrobras, interessada no uso da inovação em um gasoduto no Amazonas.

Parcerias com a iniciativa privada

Além disso, a expertise se ampliou. No caso da BR-101, os militares lidaram com toda a parte de projeto, desapropriação e licenciamento ambiental.

O Exército atua ainda em outros tipos de obras, como aeroportos, ferrovias, dragagem de portos e construção de depósitos para a Receita Federal em Florianópolis e Boa Vista. Komatsu se orgulha ainda do caráter social dos trabalhos:

- Na duplicação da BR-101, retirávamos as famílias de barracos e as instalávamos em casas construídas por nós, em terrenos doados pelas prefeituras. Muitas vezes, fizemos mudança e aproveitamos médicos das tropas para atender a população.

O Exército prefere não ser comparado a empreiteiras. Acredita que não compete com construtoras, pois sequer participa de licitações voltadas à iniciativa privada. A contratação dos "construtores fardados" é realizada por convênios, semelhantes aos firmados entre União e estados e municípios. Isso porque a Força é um ente público.

Como órgão público, o Exército faz licitações para serviços ou parte das obras solicitados pela União. Para os militares, isso faz da Força parceira da iniciativa privada. Muitas vezes, fazem obras em dobradinha, quando, em geral, preparam o terreno para as empresas, como no caso da transposição do São Francisco. Parcerias assim são históricas: vigoraram sobretudo durante os governos militares.

Os órgãos do Executivo que contratam o Exército aprovam a parceria por vários motivos: há a dispensa da licitação, a obra se inicia rápido, os valores são 15% menores e não há disputa pela correção dos contratos.