Título: Benevolente com Obama, crítica com Hillary
Autor: Martins, Marília
Fonte: O Globo, 10/02/2008, O Mundo, p. 36

Imprensa dos EUA parece ter preferências na disputa democrata, mas até repórteres divergem de editores

Marília Martins

NOVA YORK. Para quem torce a mídia? Barack Obama tem uma resposta: "Hillary Clinton, a candidata preferida do establishment." É verdade que nas coberturas de Fox News e CNN, o noticiário costumava se referir a Obama como "o desafiante". Foi assim também que ele apareceu na capa da "Time". Mas, para estudiosos que observam e estudam órgãos de comunicação nos EUA, a resposta não é tão simples assim. É o que pensa Mark Miller, professor do Departamento de Comunicações da New York University, e autor do livro "Fooled Again: The Real Case for Electoral Reform".

- A situação é complicada. Por um lado, a mídia entronizou Barack Obama, tratando-o sempre como um Deus, raramente apontando suas fraquezas, suas evasivas ou mesmo minimizando suas ambíguas conexões. Tem havido uma forte tendência a destacar o poderoso efeito emocional que Obama exerce sobre seus eleitores e simpatizantes enquanto que o tratamento dado a Hillary é bem mais duro, às vezes até cínico, como quando ela chorou emocionada com a pergunta de uma eleitora em New Hampshire e muitos tentaram mostrar que usava as próprias lágrimas como estratégia - diz Miller.

Ele aponta, porém, uma diferença fundamental entre a opinião oficial dos órgãos de comunicação e o trabalho de seus repórteres. O "New York Times", por exemplo, manifestou apoio a Hillary em editorial enquanto um de seus concorrentes, "The New York Sun", preferiu Obama, assim como o "Chicago Tribune". E, mesmo apoiando Obama, o "Chicago Tribune" vem publicando matérias investigativas sobre as relações do candidato com um dos doadores de sua campanha, o empresário Tony Rezko, que responde na Justiça a acusações de fraude e de lavagem de dinheiro.

Segundo Miller, para os acionistas das grandes corporações de mídia não há grande diferença entre Obama e Hillary no que se refere à plataforma. Mas há sim maior simpatia por Obama, sobretudo na grande imprensa, e isto se deve a outra razão:

- Repórteres e produtores de TV têm muito medo de parecerem racistas - diz.

A maior simpatia por Obama, no entanto, não pode ser por demais explícita e, por isto, Miller acha que Hillary também teve alguns dos episódios negativos de sua campanha minimizados pela mídia, o que rendeu dividendos eleitorais a seu favor.

- Hillary teve alguns escândalos abafados. O casal Clinton apoiou e incentivou uma série de artimanhas, algumas judiciais, para reduzir o comparecimento dos eleitores ao caucus em Nevada. As artimanhas foram tão evidentes que Obama chegou a denunciá-las. Mas, outra vez, a mídia logo abafou o caso, depois da vitória de Hillary no estado. Isto mostra que, para a direção editorial dos órgãos de mídia, é indiferente que Obama ou Hillary sejam indicados pelo Partido Democrata. A maioria, aliás, define esta competição como "eletrizante" e já transformou as prévias num espetáculo nacional - avalia Miller.

Outro especialista em estudos de mídia da New York University, Charlton McIlwain, concorda que a mídia vem tentando equilibrar as atenções entre os democratas, especialmente quando tematiza a disputa entre "gênero e raça". McIlwain, que é negro, acredita, porém, que Obama tem recebido mais atenção pelo fato de ser o primeiro negro a ter chances reais de ganhar a indicação do partido:

- Não há preferência explícita por um candidato. As pautas têm, inclusive, explorado muito bem esta disputa entre "a primeira mulher presidente" e "o primeiro negro presidente".

Comentário sobre Chelsea Clinton suspende âncora

Ontem, um comentário inconveniente sobre a filha de Hillary Clinton, Chelsea, rendeu uma suspensão ao âncora David Shuster, do canal de notícias MSNBC. O apresentador comparou a pré-candidata a uma cafetina por "agenciar a filha para sua campanha". Os assessores de Hillary repudiaram o comentário devido ao uso da palavra "pimp", que em inglês quer dizer cafetão ou cafetina.

O âncora e a rede se desculparam publicamente pelo comentário e Shuster foi suspenso temporariamente. Hillary e Obama eram esperados para participar de um debate na emissora no próximo dia 26, que agora pode não ocorrer.

Primeiro round depois da Superterça

Obama e Hillary lutam por votos democratas. Huckabee vence no Kansas

SEATTLE, Washington. Os pré-candidatos democratas iniciaram ontem o primeiro round de primárias depois do virtual empate da Superterça, semana passada. O senador Barack Obama conta com vitórias expressivas nas primárias do mês de fevereiro, enquanto estrategistas da campanha da senadora Hillary Clinton pretendem manter um certo equilíbrio até março, quando acreditam que o calendário favorece a candidata. Entre os republicanos, o grande favoritismo do senador John McCain não foi suficiente para que seu único concorrente, o ex-pastor e governador Mike Huckabee, desistisse de sua campanha. Pior: Huckabee venceu o caucus de ontem no Kansas.

Ontem, os eleitores dos dois partidos foram às urnas dos estados de Washington e Louisiana. Pelo lado democrata, Nebraska e as Ilhas Virgens também decidiriam se preferem Hillary ou Obama, enquanto os republicanos do Kansas escolheriam entre McCain e Huckabee. Hoje, os eleitores democratas do Maine fazem a sua prévia.

Entre os democratas, a equipe de Hillary fez uma campanha maciça de última hora nos três estados, esperando conter o favoritismo de Obama.

- A campanha do senador Obama está prevendo grandes vitórias nestes estados - afirmou o porta-voz da equipe da senadora de Nova York, Howard Wolfson. - Apesar disso, continuamos a nos apresentar para todos os eleitores.

Quinta e sexta-feira, Hillary e Obama fizeram intensa campanha nos três estados - a população negra da Louisiana e o alto poder aquisitivo dos democratas de Washington faziam com que especialistas apontassem Obama como favorito. Ontem, os dois estiveram no Maine, indo à noite para a Virgínia, estado que será um dos três - ao lado de Maryland e da capital federal - a ter primárias terça-feira.

"Me formei em milagres", diz Huckabee

Entre os republicanos, a grande dúvida ontem era a permanência de Huckabee na disputa - ontem, o azarão Ron Paul desistiu. Perguntado por que razão não desistia, uma vez que está muita atrás de McCain em número de delegados já eleitos, o ex-pastor protestante respondeu com bom humor:

- Não me formei em matemática. Me formei em milagres, e ainda acredito neles.

No Kansas, ontem à noite já era possível prever que mais de 60% dos eleitores apoiaram Huckabee, com McCain ficando com menos de 25%.