Título: Repúdio à histórica unilateralidade do Brasil
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 10/02/2008, O Mundo, p. 37

Candidata do Colorado à Presidência do Paraguai espera que Lula torne relacionamento entre países mais justo.

ENTREVISTA Blanca Ovelar

BUENOS AIRES. A paraguaia Blanca Ovelar tentará no dia 20 de abril vencer a eleição presidencial de seu país. Se a candidata do tradicional Partido Colorado (no poder desde 1947) conseguir derrotar seus adversários - o ex-bispo Fernando Lugo e o ex-militar Lino Oviedo - será, como Michelle Bachelet, do Chile, e Cristina Kirchner, da Argentina, a primeira mulher a eleger-se presidente de seu país. Ex-ministra da Educação do governo Nicanor Duarte Frutos, Ovelar venceu recentemente a eleição interna do Colorado, na qual enfrentou o atual vice-presidente, Luis Castiglioni. "Este é um momento único na História latino-americana e do Cone Sul, podemos chegar a ter três presidentes mulheres", disse a candidata ao GLOBO, por telefone, de Assunção. Em dezembro, Ovelar foi recebida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, segundo a candidata, foi o primeiro "a romper com a histórica unilateralidade do Brasil" no relacionamento bilateral. "No Paraguai (onde vivem 600 mil brasileiros, de um total de cerca de cinco milhões de habitantes) há um sentimento muito forte de repúdio à histórica unilateralidade do Brasil quando se trata de questões bilaterais, mas esse sentimento mudou de forma expressiva no governo Lula", disse. Segundo pesquisas, 41% dos paraguaios votarão no Colorado, contra 28% de Lugo e 22% de Oviedo. Mas o cenário ainda é incerto.

Janaína Figueiredo

Qual será sua estratégia para vencer a eleição presidencial?

BLANCA OVELAR: Representamos a renovação num partido tradicional. Representamos a alternância real, porque em 200 anos de vida independente nunca antes uma mulher foi eleita presidente. Minha candidatura surgiu pela simpatia do povo e pela confiança em nossa gestão. Como ministra da Educação apliquei um programa com metas de médio e longo prazo, num país onde a crise na educação era profunda. Em breve alcançaremos o analfabetismo zero.

O atual cenário latino-americano está dominado por autodenominadas revoluções em países como Bolívia e Venezuela. Como encaixa o Paraguai neste contexto?

OVELAR: Temos de caminhar para uma união muito mais forte entre os países do continente. Temos de ser um bloco de peso no novo mapa econômico mundial. Apostamos na região latino-americana, no Mercosul. Continuaremos integrados e lutando para conseguir relacionamentos mais recíprocos e justos.

Existe um forte sentimento antimercosul e antibrasileiro no Paraguai, pelas famosas assimetrias no bloco (muitos paraguaios acreditam que o Mercosul só favoreceu o Brasil e a Argentina)?

OVELAR: Sim, no Paraguai existe um sentimento muito forte de repúdio à histórica unilateralidade do Brasil quando se trata de questões bilaterais, mas esse sentimento mudou de forma expressiva durante o governo do presidente Lula, porque ele mostrou-se muito mais aberto. Ainda temos de avançar muito para ter um relacionamento plenamente justo, mas hoje o sentimento é diferente.

O Congresso do Paraguai ainda não deu sinal verde à entrada da Venezuela ao bloco. Qual é sua opinião sobre o governo de Hugo Chávez na Venezuela?

OVELAR: Defendemos a importância de fortalecer o bloco, mas certas declarações do presidente (Chávez) talvez tenham provocado ruído. A vocação dos povos é de integração e para isso é necessário o completo respeito à soberania de cada país. Num contexto de regras claras para todos, de reciprocidade, vemos positiva a incorporação da Venezuela e de muitos outros países. Sobre o governo venezuelano, Chávez foi eleito pelo povo, conta com o apoio do povo e acima de qualquer simpatia ou não que sintamos, o povo venezuelano merece respeito. Somos a região mais desigual do planeta, a pobreza é enorme, muitas pessoas vivem de forma miserável e na busca de soluções surgiram novos líderes que merecem todo o nosso respeito.

Caso a senhora seja eleita, as presidentes Kirchner e Bachelet seriam suas principais aliadas?

OVELAR: A solidariedade entre presidentes do mesmo gênero é fundamental, sinto uma enorme simpatia e admiração por minhas colegas da região. Este é um momento único na História latino-americana e do Cone Sul, podemos chegar a ter três presidentes mulheres. Dos seis países que integram o Mercosul, entre membros plenos e associados, teríamos um equilíbrio inédito no bloco.

A senhora terá de enfrentar um ex-bispo e um ex-militar nas urnas...

OVELAR: O povo paraguaio vai escolher entre uma mulher que demonstrou compromisso genuíno com a pátria, em 30 anos de função pública, e outras opções que respeito. Acredito que representamos a melhor opção e vamos encarar uma luta honesta. Temos confiança de que venceremos a eleição. Representamos a continuidade de um programa de sucesso. No ano passado, nossa economia cresceu 6,5% e estamos em condições de consolidar essa tendência. Queremos um Estado que promova uma economia de mercado com responsabilidade social. Venho do socialismo e simpatizo com a esquerda, mas temos de aprender as lições da História. As liberdades humanas são fundamentais, numa sociedade plural, aberta e que respeite as diferenças, com uma economia de mercado, com responsabilidade social e, sobretudo, com um Estado que seja garantia de igualdade e de proteção aos mais humildes.

A corrupção continua sendo um dos principais problemas do Paraguai?

OVELAR: Meu programa tem quatro eixos: economia de mercado, responsabilidade social, Estado protetor da igualdade e forte combate à corrupção. Tudo isso é básico para o desenvolvimento do país.