Título: Só 11% de transparência
Autor: Gripp, Alan; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 11/02/2008, O País, p. 3

GASTOS SEM CONTROLE

R$158,2 milhões consumidos em gastos cotidianos tiveram fiscalização frágil.

Oitenta e nove por cento de todas as despesas cotidianas do governo em 2007 não tiveram qualquer publicidade e sofreram uma fiscalização frágil, como reconhece o próprio governo. Ou seja, apenas 11% desses gastos são conhecidos. A caixa-preta dos pequenos gastos incluiu, no ano passado, R$158,2 milhões. O número corresponde à soma dos gastos das chamadas contas tipo B do governo, que nunca foram divulgados, e das despesas dos cartões corporativos em que não há possibilidade de rastreamento.

Considerando apenas os cartões corporativos, há informações sobre 24,7% dos R$78 milhões gastos ano passado. Nessa pequena parcela, publicada no Portal da Transparência, foram identificados os casos de uso irregular por ministros e ordenadores de despesas - como compras de artigos de luxo, flores, jóias, reforma de mesa de sinuca e até tapioca -, o que deflagrou a atual crise. O restante (R$58,7 milhões) se divide entre saques na boca do caixa e gastos protegidos por sigilo, feitos pela Presidência da República, pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e pela Polícia Federal.

Já sobre os gastos das contas tipo B quase nada se sabe. Os servidores que têm poder para movimentar esses recursos são obrigados a prestar conta em seu próprio órgão, mas essas informações não são repassadas ao Portal da Transparência. A Controladoria Geral da União (CGU) também faz auditorias periódicas, mas apenas por amostragem. A fiscalização é falha, admite o controlador-geral Jorge Hage.

- Até 2001, as contas tipo B eram a única forma de realizar os gastos de suprimento. Eram gastos uma média R$230 milhões por ano, sem transparência nenhuma, totalmente opaco. Isso não quer dizer que não havia prestação de contas em cada órgão. Mas sabe Deus a qualidade dessas análises em cada uma das 1.200 unidades executoras do governo federal - disse Hage.

Por esse motivo, segundo o ministro, as contas tipo B serão extintas até junho e substituídas por novos cartões. Os saques com cartões também serão limitados.

O total de gastos do governo com despesas corriqueiras ano passado foi de R$177,5 milhões. Mais da metade disso, R$99,5 milhões, foi paga com a utilização das contas tipo B. Por esse sistema, o funcionário público abre uma conta em seu nome para movimentação de recursos do órgão onde trabalha. O servidor tem total liberdade para sacar e pagar despesas com cheques, e depois presta contas a seu superior.

Crise dos cartões definiu data do fim das contas B

Os primeiros cartões corporativos foram emitidos em 2001, como forma de dar mais transparência e controle às despesas de emergência. Até o início do escândalo, que derrubou a ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, o governo nunca havia proposto uma data para o fim definitivo das contas tipo B. E elas sobrevivem fortemente: ainda há 28.378 contas abertas.

Parte do governo foi contra a extinção dessas contas, como determinado no decreto presidencial de 1º de fevereiro. O argumento é de que o uso dos cartões é inviável em locais ermos. A solução encontrada foi permitir que sejam usados para saques no caso de algumas viagens, como, por exemplo, de recenseadores do IBGE e de funcionários da Funai. Os saques também estão liberados para ordenadores de despesas dos órgãos protegidos por sigilo.

Apesar do avanço nas novas regras de uso do cartão corporativo e do fim das contas tipo B, especialistas criticam a falta de regras claras para as despesas pequenas da administração pública: - É até ridículo ficar comparando a situação dos dois últimos governos. Os dois erraram. Desde 2001, quando os cartões foram implementados, não se deixou claras as regras. Toda a regulamentação que surgiu sempre foi para apagar incêndios - disse Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas, um dos principais mecanismos da sociedade civil de fiscalização das despesas do governo.

Castelo Branco afirma que o atual momento é propício também para debater a necessidade e a qualidade das despesas do poder público.

-- Por que a autoridade brasileira só pode se hospedar em hotel cinco estrelas e sair do aeroporto em carro oficial ou alugado, se quando ele sai de férias fica em pousada ou na casa da sogra e anda de táxi? - questiona Castelo Branco.