Título: Fim da reeleição
Autor: Hartung, Paulo
Fonte: O Globo, 11/02/2008, Opinião, p. 7

Passados dez anos da aprovação pelo Congresso da emenda que permitiu a reeleição de presidente, governador e prefeito, acredito ter chegado o momento de reavaliarmos esse mecanismo, ampliando o debate sobre sua eficácia. É preciso discutir com profundidade a adoção do mandato de cinco anos sem direito a reeleição para cargos do Executivo. A tese, que tramita no Senado, merece uma reflexão. De 1997 para cá, muitos foram os governantes que tiveram um mandato de oito anos com um plebiscito no meio. Além disso, a possibilidade de um segundo governo consecutivo acabou travando a discussão das reformas estruturais.

No passado recente, a reeleição cumpriu papel importante na estabilização econômica do Brasil. No entanto, ao analisarmos as duas experiências de reeleição no Executivo federal, vemos uma verdadeira paralisia na agenda do Congresso. Independentemente da vontade dos dois governantes, a reeleição impôs dificuldades ao processo de reformas essenciais, como a política, a tributária, a do Estado e a trabalhista, só para ficar em alguns exemplos. A equação é simples: no primeiro mandato, quando se está forte, teme-se o atrito por causa da reeleição. No segundo, sem a mesma força, perde-se a potência e o vigor necessários à implementação da agenda política pró-ativa e estruturante de que precisamos.

Um outro aspecto a ser analisado é que não seria plausível pensar que todos os reeleitos tenham alcançado a vitória exclusivamente por terem sido exímios administradores. Ocorre que o processo de reeleição cria uma situação de vantagem para quem está no cargo, prejudicando uma disputa que, numa democracia, deve ser equilibrada. Por outro lado, a reeleição, que não é uma tradição, foi implementada de forma isolada, sem a adequação do conjunto dos dispositivos que regem a vida política, criando situações paradoxais. Por exemplo, um secretário de Estado tem de se licenciar do cargo seis meses antes para disputar uma eleição, sob argumento de não usar a máquina pública, mas um chefe de Executivo pode concorrer no cargo.

Contradições assim demonstram a artificialidade e a fragilidade deste mecanismo. A desigualdade de condições na disputa concede ao governante em processo de reeleição uma superioridade na exposição que é difícil de ser alcançada por seus adversários. E aqui quem escreve é um reeleito com uma votação muito significativa no contexto nacional - mas não é o caso de restringirmos o debate a casos isolados.

Com o fim da reeleição e a instituição de um mandato de cinco anos, acredito que o país possa avançar em questões importantes. O governante será obrigado a priorizar o sucesso da sua gestão, com começo, meio e fim. Precisamos de coragem para enfrentar os novos e cada vez mais complexos desafios, que só poderão ser encarados com profundas reformas na Constituição - que, neste 2008, faz 20 anos. Em idade, temos uma Carta ainda nova, mas não podemos esquecer que já nasceu velha, inspirada numa realidade que, àquela época, já não mais existia.

PAULO HARTUNG é o governador do Espírito Santo.