Título: Cartel que dói no bolso
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 11/02/2008, Economia, p. 15

Governo faz acordo com empresas autuadas e acelera pagamento de indenizações milionárias

Oesforço do governo para punir condutas de empresas que são contra os consumidores e contra a ordem econômica começou a doer mais no bolso das companhias. Embora empresários condenados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, ainda relutem em pagar multas e apresentem recurso tanto na esfera administrativa quanto na judicial, o Executivo vem fechando o cerco e tornando esse processo mais difícil.

Segundo a secretária de Direito Econômico, Mariana Tavares, um grande avanço foi feito no fim de 2007, quando o Cade passou a fazer acordos - conhecidos como Termos de Compromisso de Cessação de Práticas (TCCs) - com empresas envolvidas em casos de cartel. Em troca da suspensão do processo, os acusados se comprometem a pagar imediatamente uma espécie de indenização. Mariana lembra que, apenas com esse tipo de acordo, devem entrar nos cofres do Fundo de Direitos Difusos (em que são depositadas todas as multas) R$24 milhões este ano:

- O fundo está passando por uma mudança de escala, graças principalmente aos acordos feitos pelo Cade nos casos de cartel.

Brigas duravam anos na Justiça

A intenção do Cade, ao firmar esses acordos, foi conseguir arrecadar rapidamente parte do que as empresas causaram de prejuízo ao mercado por causa de condutas contra a concorrência. Até então, as companhias condenadas por cartel usavam vários instrumentos para evitar pagar as multas impostas, que podem chegar a 30% de seu faturamento. Elas recorriam ao próprio Cade e, quando perdiam, entravam no Judiciário numa briga que poderia se arrastar por anos.

Os primeiros TCCs foram firmados com as empresas Lafarge e Friboi. A Lafarge, acusada de formação de cartel no setor de cimento, concordou em pagar multa de R$43 milhões. Já a Friboi foi condenada num cartel de frigoríficos e concordou em pagar R$13,7 milhões.

Segundo levantamento feito pelo Cade em 2006, o órgão aplicou multas num total de R$2,6 milhões, sendo que já foi pago integralmente R$1,36 milhão, ou seja, 52% do valor. Já no ano passado, graças aos acordos em casos de cartel com as empresas Lafarge e Friboi, e também a uma punição de R$17,7 milhões imposta a um grande cartel no setor de vitaminas, paga sem contestação, as multas aplicadas chegaram a R$79,6 milhões, sendo que já foram pagos R$77,7 milhões, ou seja, 97% do total.

Outro avanço, segundo o procurador-geral do Cade, Arthur Badin, está na forma como a Justiça tem visto os recursos das empresas para não pagarem as multas que foram impostas pelo Cade. Uma prova disso, segundo ele, está no megaprocesso de compra de cinco mineradoras do país pela Vale.

O Cade multou a empresa em R$41 milhões por ela ter demorado 631 dias para seguir uma determinação do conselho, medida que deveria ter sido tomada em apenas 30 dias. A Vale recorreu à Justiça, mas o pedido de anulação foi indeferido pelo juiz federal Roberto Luis Luchi Demo, titular da 19ª Vara Federal. O juiz determinou ainda que a Vale apresentasse em juízo uma carta de fiança bancária no valor de R$41 milhões caso quisesse suspender a execução fiscal do processo. Do contrário, a empresa estaria sujeita à penhora de seu faturamento.

Mais repasses beneficiam a cultura

No caso do DPDC, as multas aplicadas nos últimos dois anos somam R$11,265 milhões, sendo que R$3,391 milhões foram cobrados em 2006 e os outros R$7,874 milhões, no ano passado. Desse total, no entanto, apenas R$972,7 mil foram efetivamente pagos até agora. Ou seja, um valor bem menor do que o da punição aplicada.

A secretária de Direito Econômico lembrou que o DPDC também vem tentando adotar medidas para fechar o cerco às empresas que desrespeitam o consumidor. Desde 2003, por exemplo, uma empresa que é autuada pelo departamento corre o risco de ser inscrita na Dívida Ativa.

Pelas regras do DPDC, a empresa tem o direito de recorrer da multa à Secretaria de Direito Econômico. Caso a punição seja mantida e a empresa não pague, o DPDC envia o nome da condenada à Advocacia-Geral da União (AGU), que então faz a inscrição na Dívida Ativa da União. Segundo Mariana Tavares, esse procedimento sempre existiu, mas só começou a ser posto em prática em 2003.

O aumento dos repasses de empresas para o Fundo dos Direitos Difusos vai permitir que o governo federal financie mais projetos voltados à preservação do patrimônio histórico e cultural brasileiro. Segundo a secretária de Direito Econômico, Mariana Tavares, graças ao reforço de dinheiro em caixa, os conselheiros do fundo - que é compartilhado por vários ministérios, como Cultura, Meio Ambiente e Fazenda - elegeram o setor de cultura como prioritário para as aplicações neste ano de 2008. A idéia é financiar projetos que reforcem a segurança de museus e igrejas que abriguem obras valiosas.