Título: Armas para a guerra no Alemão
Autor: Werneck, Antônio
Fonte: O Globo, 12/02/2008, Rio, p. 12

Polícia vai receber da Marinha 500 fuzis e munição para enfrentar traficantes.

ASecretaria de Segurança Pública receberá da Marinha 500 Fuzis Automáticos Leves (FALs) calibres 7,62 e cerca de mil carregadores (pentes de munição) de fuzis para combater traficantes de drogas. As armas deverão ser usadas para reforçar a tropa que vai ocupar o Complexo do Alemão durante as obras do PAC. A doação foi anunciada ontem à tarde pelo secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, durante solenidade no 16º BPM (Olaria), com a presença do governador Sérgio Cabral, que marcou a posse do coronel Marcus Jardim Gonçalves no 1º Comando de Policiamento de Área. A parceria entre os governos federal e estadual foi tratada na sexta-feira passada durante um encontro entre autoridades do Rio e oficiais da Marinha, no Primeiro Distrito Naval. Segundo Beltrame, a cooperação da Marinha incluirá ainda a manutenção e reforma de cerca de 630 carros da PM, incluindo os blindados, chamados Caveirões, que estão em péssimo estado.

- Não é um convênio. Apenas uma doação. A Marinha ofereceu as armas e sua estrutura para ajudar na manutenção dos carros da PM - disse José Mariano Beltrame.

Para tentar acabar com a crise gerada pela troca de comandos na Polícia Militar, o governo do estado também deverá anunciar esta semana um pacote de medidas, como aumento de salário, reforço no policiamento ostensivo e uma reforma estrutural para modernizar a PM. As medidas, que não foram detalhadas ontem, foram citadas num discurso duro do secretário de Segurança, dirigido à cúpula e aos policiais militares que estavam presentes no 16º BPM (Olaria) para a posse do coronel Marcus Jardim Gonçalves, considerado de linha-dura e adepto a política de confronto com traficantes.

- Não dou dar detalhes das mudanças, que podem incluir aumento de salário, para não criar falsas expectativas. Vamos nos reunir esta semana com o governador para dar os últimos retoques no projeto. Acho que até sexta-feira, ou no mais tardar na segunda-feira da semana que vem, vamos anunciar todas as mudanças - disse Beltrame.

Cabral afirma que não há crise

Diante do governador Sérgio Cabral, do novo comandante-geral da PM, coronel Gilson Pitta Lopes, e até de três antigos comandantes-gerais (chamados para a solenidade para tentar mostrar que a PM está unida), José Mariano Beltrame mandou um recado aos PMs que lhe dirigiram ataques nas últimas semanas, afirmando: "Um processo de mudança é muitas vezes difícil, não só para a polícia, mas em qualquer organização. Pessoas com dificuldade de compreender o ambiente em que vivem fazem escolhas equivocadas, ignoram o rumo da história e se perdem na pequenez de seus pensamentos". Falando em quebra de hierarquia, Mariano ainda acrescentou que policiais militares, "no lugar da reivindicação justa e séria, miram na autoridade do estado, usando como expediente a afronta, o deboche, a agressão verbal".

Com a divulgação das medidas, o secretário espera colocar um ponto final na polêmica gerada pela queda do coronel Ubiratan Ângelo do Comando Geral da PM, às vésperas do carnaval. Nos corredores da Secretaria de Segurança, policiais atribuíram à crise a responsabilidade pelo aumento da violência durante o carnaval. Dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do estado revelaram que, de 1º de fevereiro ao dia 6, foram registrados 80 homicídios no estado, 40% a mais do que no mesmo período do ano passado, quando houve 57 assassinatos.

O governador Sérgio Cabral, que fez questão de participar da solenidade de troca de comando e enfrentou o sol forte no pátio do batalhão de Olaria, minimizou a crise na PM. Cabral chegou a citar o romance "Encontro marcado", do escritor Fernando Sabino, para afastar qualquer problema no comando da corporação.

- Estou vindo aqui para reforçar meu apoio ao comando da segurança pública, em especial ao secretário José Mariano e ao novo comandante da PM. Não há crise. É como diz Fernando Sabino no "Encontro marcado": "O problema é não ter problema". Na verdade a crise é fruto de uma carência de notícias pré-carnavalescas - disse o governador.

Sérgio Cabral e o secretário de Segurança Pública disseram ainda que as obras no Complexo do Alemão, dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - que devem começar este ano no que policiais consideram a "fortaleza" do tráfico -, serão executadas sem problemas. Mariano, no entanto, afirmou que a presença da polícia no Alemão será para garantir a segurança dos operários, mas que não vai ficar parada se for recebida a tiros.

O coronel Marcus Jardim, que durante seu comando do 16º BPM (Olaria) foi duro e favorável ao confronto com o tráfico no Complexo do Alemão - que fica na área de policiamento do batalhão de Olaria -, foi mais político ao assumir o novo posto:

- Não é isso. Vamos ocupar o Alemão com o apoio de dados de inteligência, e o enfrentamento, se ocorrer, será pontual. Vamos responder ao tráfico, mas vamos atuar com inteligência - disse Jardim.

Em 1996, o Exército cedeu à Secretaria de Segurança do Rio 500 fuzis FAL, calibre 7,62. Já naquela época, os fuzis foram considerados ultrapassados para o combate ao tráfico por serem considerados pesados. Pior: parte das armas acabou desviada pela polícia do Rio e passou a ser apreendida com traficantes de drogas.

O empréstimo de fuzis à Polícia Militar foi apenas um dos quesitos de um acordo envolvendo os dois governos, que incluiu ainda o envio de tropas das Forças Armadas às ruas do Rio em 1994 e 1995, no que ficou conhecida como Operação Rio, de combate ao crime organizado. A cessão de armas à PM foi concretizada em novembro de 1996, durante uma solenidade no Comando Militar do Leste (CML), com assinaturas do general Luís Gonzaga Lessa, na época comandante da Primeira Região Militar do CML, e do então comandante da Polícia Militar, coronel Dorasil Castilho Corval. O general Abdias da Costa Ramos, que comandava o CML, presidiu a solenidade, que contou com a presença do então governador Marcello Alencar e de seu secretário de Segurança, general Nilton Cerqueira.