Título: Timor: comandante critica tropas internacionais
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 13/02/2008, O Mundo, p. 32

Chanceler australiano rejeita acusações e afirma que perseguição a Reinado fora suspensa a pedido de Ramos-Horta.

PEQUIM. Um dos maiores líderes militares de Timor Leste, o general-brigadeiro Taur Matan Ruak, chefe das Forças de Defesa do país, levantou ontem uma grave suspeita sobre a unidade do governo timorense e o papel das forças internacionais que fazem a segurança no país após a tentativa de assassinato do presidente José Manuel Ramos-Horta e do primeiro-ministro Xanana Gusmão, na manhã de anteontem. Ruak disse esperar que "as tropas australianas sejam parte da solução e não venham contribuir para o agravamento" da situação no país, informou a agência Lusa.

- Levando em consideração a quantidade de tropas internacionais em Timor Leste, em particular em Díli, como é possível que veículos transportando gente armada tenham entrado na cidade e se aproximado das casas do presidente e do primeiro-ministro sem serem detectados? - perguntou o general, que pediu uma investigação internacional sobre o incidente.

Ramos-Horta deve passar por nova cirurgia hoje

Em Darwin, o ministro de Relações Exteriores australiano, Stephen Smith, rejeitou as críticas. Após visitar o hospital onde o presidente timorense está internado, ele afirmou que as tropas australianas que ajudam na segurança de Timor Leste deixaram de perseguir o ex-major Alfredo Reinado - líder dos ex-militares rebelados que foi morto ao comandar o ataque a Ramos-Horta - em junho por determinação do próprio Ramos-Horta, na época premier. Ele admitiu que a medida pode ter sido um erro:

- Isto é algo que certamente será alvo de reflexão por parte do governo de Timor Leste, do australiano, das forças de estabilização e da própria ONU.

O presidente Ramos-Horta continua em coma induzido na Unidade de Tratamento Intensivo do Royal Darwin Hospital. Ele foi removido de Díli após receber dois tiros na tentativa de golpe de Estado. Ele passou por uma cirurgia na noite de terça-feira que durou três horas para retirar fragmentos de bala, informou o médico Len Notaros, administrador-geral do hospital.

- Seu estado continua extremamente grave, mas estável. Os próximos dias definirão tudo. Acho que tem muita sorte de estar vivo - disse Notaros, acrescentando que o presidente deve ser operado novamente hoje e permanecerá em coma induzido pelo menos até amanhã.

O policiamento ostensivo dos mil soldados da Força de Segurança Internacional, coordenada pela Austrália, e dos 1.500 policiais da ONU ganhou reforço com o início do desembarque ontem das tropas prometidas por Canberra. Um total de 120 soldados e 70 policiais australianos chegaram ontem a Díli.

As chuvas que não param de cair em Díli e o forte policiamento da capital ajudam a manter as pessoas em casa e a segurança num país em estado de sítio.

- A segurança é o grande problema em Timor Leste hoje, um país cuja população parece cansada de ver o governo imobilizado com rachas internos pelo poder - diz John Virgoe, diretor para Ásia da ONG International Crisis Group. - Seria um ótimo momento para as facções se unirem e iniciarem os projetos de desenvolvimento do país, mas não estou muito otimista.

O governo de Timor Leste pretende liberar hoje o cadáver de Reinado. Com isso, pretende calar os rumores de que sua morte foi inventada para dividir o grupo de guerrilheiros que tenta desestabilizar o governo. Mas há certa apreensão. Os timorenses costumam ter velórios longos, que duram vários dias, e os funerais com freqüência se transformam em manifestações de descontentamento e revolta.

Em geral, a situação é calma em Díli, mesmo à noite, quando gangues costumam aterrorizar a população.

- Poucas lojas se mantêm fechadas, mas a população está trabalhando e as crianças estão indo às escolas - conta a brasileira Diane Cruz Almeida, assessora técnica contratada pela ONU para auxiliar na organização das eleições. - Mas o clima é de nervosismo como se a segurança estivesse por um fio, porque quando a violência começa, se espalha rapidamente.

Comitiva brasileira já deixou Díli

Os três altos funcionários do governo federal que estavam em Timor Leste para a 8ª Reunião de Ministros do Trabalho da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa devem chegar hoje ao Brasil. Eles deixaram Díli ontem, por volta das 7h (hora de Brasília). O secretário-executivo e o assessor internacional do Ministério do Trabalho, André Figueiredo e Pedro Amaral, e o secretário de Previdência Social, Helmut Schwarzer, planejavam deixar o país amanhã, após o encerramento da reunião. Mas, com os atentados, o fim do encontro foi antecipado. Na carta final do encontro, os representantes dos governos dos países de língua portuguesa condenaram os ataques contra Ramos-Horta e Xanana.

COLABOROU Jailton de Carvalho, de Brasília