Título: Vice da Bolívia a Lula: Brasil não terá todo o gás
Autor: Oliveira, Elliane
Fonte: O Globo, 14/02/2008, Economia, p. 27

Com capacidade no limite, país não poderá cumprir contrato, diz García Linera. Brasileiro deve ter déficit no inverno.

BRASÍLIA e RIO. A capacidade de fornecimento de gás natural da Bolívia chegou ao limite, e o país não tem como cumprir integralmente, até outubro, o contrato firmado entre a YPFB e a Petrobras. A informação foi dada ontem pelo vice-presidente boliviano, Álvaro García Linera, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Após o encontro, García Linera disse que a Bolívia garantirá a oferta equivalente ao consumo histórico médio do Brasil, de 27 milhões a 29 milhões de metros cúbicos por dia. Volumes adicionais, afirmou, só serão possíveis no fim do ano, quando haverá disponibilidade extra entre 2 milhões e 3 milhões de metros cúbicos diários.

Como o contrato com a Petrobras prevê que a estatal brasileira pode comprar até 30 milhões de metros cúbicos por dia, o vice-presidente boliviano deixou claro que, dificilmente, os termos contratuais serão cumpridos, tendo em vista o limite estabelecido.

A admissão acende a luz amarela do Brasil em relação ao inverno. Isso porque, nos meses de frio mais rigoroso, o consumo de gás sobe: no ano passado, ficou entre 30 milhões e 31 milhões de metros cúbicos diários. Ou seja, haverá déficit no fornecimento.

A situação com a Argentina é a mesma. Segundo García Linera, na hipótese de uma oferta extra, esta terá de ser repartida entre brasileiros e argentinos:

- Os volumes de consumo histórico do Brasil estão garantidos e não estão em debate. O que estão sendo discutidos são os volumes novos, além do histórico - afirmou, deixando de mencionar que isso, na prática, significa menos do que o Brasil tem direito de importar.

García Linera e o ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Carlos Villegas, vão se encontrar hoje, no Rio, com o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli. A conversa promete ser difícil, tendo em vista que a estatal deve exigir que o contrato seja cumprido em sua totalidade. A empresa anunciou, em dezembro, que investirá entre US$750 milhões e US$1 bilhão na prospecção de novos poços de gás no país vizinho.

- Não muda nada. Nunca mudou, por que vai mudar agora? - indagou ao GLOBO Gabrielli, após um almoço no Itamaraty em homenagem ao vice-presidente boliviano.

Presidentes de Argentina, Brasil e Bolívia vão se reunir

Segundo García Linera, a partir de outubro, alguns investimentos começarão a maturar, permitindo o aumento da oferta em 2 milhões a 3 milhões de metros cúbicos diários. Em 2009, o volume para exportação deve crescer entre 7 milhões e 8 milhões de metros cúbicos.

O vice-presidente negou, porém, que seu país não possa vender mais ao Brasil por estar direcionando o gás à Argentina, que passa por sérios problemas energéticos. Mas demonstrou que qualquer decisão terá de ser política. Para isso, haverá uma reunião, dia 23, em Buenos Aires, de Lula com os presidentes boliviano, Evo Morales, e argentina, Cristina Kirchner:

- É provável que nos meses de inverno o fornecimento para a Argentina possa subir um pouco. A questão é saber se será possível cobrir essa demanda. E isso depende da reunião entre os três presidentes.

O assunto também foi discutido, no fim da manhã, em reunião dos ministros Edison Lobão (Minas e Energia) e Villegas. Ambos garantiram o fornecimento diário de gás natural para o Brasil e disseram que o preço cobrado pelo produto não será alterado.

- Não há qualquer interrupção de volume. Há um contrato vigente há muito tempo, e ratificamos plenamente que a Bolívia vai cumprir todos os termos com o Brasil - disse Villegas, sem mencionar que a afirmação se baseava na média de consumo, não na quantidade de gás a que o Brasil tem direito.

- Todos os itens serão cumpridos. Não haverá redução no fornecimento, e também os preços não serão alterados - reforçou Lobão.

Já o vice-presidente boliviano enfatizou que, em 2008, seu país terá investimentos recordes, chegando a US$1,1 bilhão.

Segundo uma fonte da área técnica da Petrobras, até o momento a Bolívia tem fornecido integralmente todo o gás solicitado, mas o gasoduto opera na sua capacidade máxima.

O especialista Pedro Camarato, diretor de Negócios da empresa de consultoria Gas Energy, disse que a produção da Bolívia está no limite para atender ao mercado interno e aos contratos principais com a Petrobras e a Argentina.

- A Bolívia está no limite de sua capacidade. Portanto, com qualquer eventual parada de produção, fica sem condições de atender a toda a demanda.

Em meio à polêmica em torno do gás, García Linera deu uma boa notícia a Lula: pela primeira vez, admitiu que seu país poderá formar uma hidrelétrica binacional, provavelmente no Rio Madeira. Até então, os bolivianos sequer aceitavam as usinas de Jirau e Santo Antônio.

COLABOROU Ramona Ordoñez