Título: Petrobras diz à Bolívia que não abre mão de gás
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 15/02/2008, Economia, p. 27

Presidente da estatal avisa ao vice de Evo Morales que não pode reduzir importações do produto boliviano.

Um dia depois de comunicar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que não teria condições de fornecer todo o gás de que o Brasil necessita, o vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera, ouviu do presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, que a empresa não vai abrir mão dos 30 milhões de metros cúbicos m/dia previstos no Acordo de Fornecimento de Gás. A reunião na sede da estatal, no Rio, durou pouco mais de três horas e, ao final, a Petrobras divulgou sua decisão.

Em comunicado, a empresa anunciou que está "impossibilitada de reduzir a demanda do volume máximo de 30 milhões de metros cúbicos/dia de gás natural previsto no contrato de compra firmado com a estatal boliviana (YPFB), mais o volume de gás necessário à operação do sistema".

Além de García Linera, estiveram no encontro os ministros de Hidrocarbonetos, Carlos Villegas, e o da Fazenda, Luiz Arce. Eles foram recebidos por Gabrielli e a diretora de Gás e Energia, Maria das Graças Foster, entre outros executivos.

Ex-diretor da ANP: Bolívia poderia beneficiar Argentina

A comitiva boliviana desembarcou no Brasil na última quarta-feira e no mesmo dia comunicou ao presidente Lula que a Bolívia só teria condições de garantir a oferta equivalente ao consumo histórico médio do Brasil, de 27 milhões a 29 milhões de m diários. Volumes adicionais, segundo García Linera, só seriam possíveis no fim do ano, quando haverá disponibilidade extra entre 2 milhões e 3 milhões de m diários.

Nesse mesmo encontro, García Linera informou ao presidente Lula que, na hipótese de uma oferta extra, esta teria que ser repartida entre brasileiros e argentinos. A situação é crítica, já que, em caso de inverno rigoroso, tanto aqui quanto na Argentina, aumenta o consumo de gás. No ano passado, esse consumo no Brasil ficou entre 30 milhões e 31 milhões de m por dia.

A insinuação de García Linera de que o volume extra teria de ser repartido entre os dois países vizinhos - o assunto será debatido num encontro no próximo dia 23 - levou executivos do setor de energia a questionar se a Bolívia não estaria aproveitando o fato de estar no limite da sua produção para faturar mais com a Argentina.

- Não descarto a hipótese de os bolivianos, neste momento de escassez do produto, estarem privilegiando a venda de gás para a Argentina, já que eles pagam mais pelo produto - afirmou David Zylbersztajn, da DZ Negócios com Energia e ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Os problemas com a Bolívia começaram em 2006, quando o governo de Evo Morales nacionalizou, no dia 1º de maio, as reservas de petróleo e gás, obrigando a Petrobras a se retirar das áreas de distribuição e refino. A empresa hoje está presente no país vizinho apenas na produção de gás.

No mesmo comunicado em que exige o cumprimento do contrato, a Petrobras anunciou que foram discutidas as condições para investimentos no país e "os recursos previstos para os campos de San Alberto e San Antonio, onde a companhia já atua, e atividades exploratórias no campo de Ingre, já iniciadas".

Bolivianos pedem apoio financeiro do BNDES

Antes de seguir para a reunião na Petrobras, García Linera e sua comitiva estiveram, pela manhã, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), onde foram recebidos pelo presidente da instituição, Luciano Coutinho. A presidente da Agência Boliviana de Carreteras (ABC), Patricia Ballivian, apresentou o projeto de construção de uma rodovia ligando La Paz a Pando e Beni, num total de 847 quilômetros de estrada.

A participação do banco seria através do BNDES-Exim, uma linha de financiamento às exportações de bens e serviços, através da qual o banco financia empresas brasileiras interessadas em atuar fora do país. A estrada, também conhecida como Hacia El Norte, inclui dois trechos: 337 quilômetros, de Porvenir a El Chorro, e os outros 510 quilômetros, de Rurrenavaque a Ribaralta. O investimento necessário chega a US$430 milhões.